Jesus Morlan não faz milagre. Ele trabalha. E muito. Nesta segunda-feira (13), após o celebrado ouro de Isaquias Querioz, 21, na prova do C1 1.000 m no Pan de Toronto, o técnico espanhol da canoagem brasileira ficou até às 23h estudando e anotando em seus arquivos os resultados das provas do dia em Welland. Só depois foi conversar com mulher e filha, que moram na Colômbia.
A conclusão do dia que começou por volta das 8h é que Isaquias “cresceu muito” e “agora é o cara” rumo à medalha inédita para a modalidade nos Jogos Olímpicos do Rio-2016.
Nesta terça (14), nova medalha para Isaquias, agora na distância de 200 m (também na canoa, onde o atleta rema com um dos joelhos no piso do barco). É a terceira dele neste Pan de Toronto.
Ao lado de Erlon de Souza, 24, o baiano de Ubaitaba também ganhou uma prata na segunda-feira. Perderam para a dupla canadense Benjamin Russell e Gabriel Beauchesne-Sévigny, uma das cinco melhores do mundo.
Nos Jogos do Rio, em 2016, Isaquias deve competir nas provas de C1 1.000 m (já tem a vaga garantida) e C2 1.000 m. Não participaria da competição no C1 200 m, prova que venceu nesta terça.
“Uma medalha está próxima”, afirma Morlan sobre a disputa no C1 1.000 m. “Duas até podem chegar. Mas está difícil. A gente pode. Tem que trabalhar”, reponde sobre o C2.
Vitorioso
Técnico do cinco vezes medalhista olímpico David Cal, da Espanha, incluindo um ouro, “Suso” Morlan foi contratado pelo COB (Comitê Olímpico do Brasil) há dois anos para cuidar de Isaquias, então campeão mundial júnior em 2011.
Morlan chegou a trazer Cal para ajudar Isaquias nos treinamentos no Brasil. O canoísta espanhol, maior medalhista da história olímpica de seu país, se aposentou este ano. Mas o legado do treinador parece continuar nas remadas do brasileiro.
Foi o treinador espanhol quem escolheu a cidadezinha mineira Lagoa Santa, de menos de 60 mil habitantes, a 35 km de Belo Horizonte, para transformar na base da seleção brasileira.
Eleito melhor treinador de esporte individual do Brasil em 2014, pelo COB, Morlan buscava o isolamento após passar cerca de um ano e oito meses comandando Isaquias, Erlon, Nivalter Santos, 28 e Ronilson Oliveira, 25, em São Paulo.
Nascido na cidade espanhola de Pontevedra, de 80 mil habitantes, casado com a colombiana Tânia e pai de Sofia, de 4 anos, ele exige de si mesmo o comprometimento que cobra dos atletas.
O espanhol que se graduou para ser professor de ciências trabalha sempre com metas, impressas em planilhas.
Na temporada que começou em outubro e vai até o Mundial de Milão, em agosto de 2015, ele sabe que são 46 semanas, mais de 4 mil km para cada canoísta na água. No total, 3 mil horas de treino na canoa até a Rio-2016.
Na casa de dois andares, com piscina, que o COB aluga em Lagoa Santa, cada um tem seu quarto. No do treinador, bandeira do Brasil pregada na entrada, lençol da Vila Olímpica de Londres-2012 na cama e um escritório. Ali, ele diz que imprimiu 8.500 páginas em um ano, com todo o treinamento dos atletas, hoje separados em fichários.
Além de salvar no computador pessoal, depois imprimir, o espanhol repete tudo com caneta em folhas para não perder informações.
Joia
A atenção com Isaquias é tamanha que já existe uma movimentação brasileira em relação ao calendário da Rio-2016, de modo a ajudar o “fenômeno”, como os companheiros de seleção o definem, a ganhar a sonhada medalha.
Isaquias tem uma história marcada pela superação.
Aos 3 anos, sofreu queimaduras em casa que marcam sua pele até hoje.
Aos 10, o maior drama. Após cair de uma árvore em cima de pedras, ele teve hemorragia interna e precisou retirar um dos rins. O fato lhe rendeu o apelido Sem Rim na adolescência. Atualmente, com controle de alimentação e precisando se hidratar mais do que os demais atletas, ele diz que a falta do órgão não o atrapalha.
Bronze no Mundial de 2013 no C1 1000 m, ele é o atual bicampeão mundial (2013 e 2014) na C1 500 m (que não está no programa olímpico).
Hoje ele recebe a Bolsa Pódio do governo federal (R$ 15 mil mensais).
Mais um apoio para ele não cair, como aconteceu nos últimos metros do Mundial de 2014, quando era líder no C1 1.000 m e deixou o ouro para o alemão Sebastian Brendel.
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