Amanhã começa uma etapa decisiva na carreira de Maria Caroline Ricardo, 13 anos. Serão os últimos treinos antes da seletiva para a definição da nova seleção permanente de ginástica rítmica, promovida pela Confederação Brasileira de Ginástica (CBG), no próximo dia 26. Cria de um projeto social, a menina é aposta quase certa para integrar a elite da modalidade.
Campeã pan-americana infantil em El Salvador (2007), vice-campeã brasileira individual e campeã do conjunto (2008), Maria Caroline representará com outras seis meninas a Associação Curitibana de Ginástica Rítmica (Aginarc), fundada em 2000 e vizinha à violenta favela do Parolin.
São 150 meninas, entre elas uma dezena vem da própria comunidade. Já foram mais, mas a redução no montante repassado pela Lei Municipal de Incentivo ao Esporte, de R$ 40 mil semestrais para R$ 6 mil, comprometeu a participação. Menos dinheiro, menos 40 meninas carentes atendidas, pois não era mais possível bancar alimentação, inscrições, uniformes e até cestas básicas dadas às famílias.
Maria resistiu. Graças ao seu talento e à aposta da treinadora. "Ela chegou toda desconfiada. Era muito brava. Mas mostrou-se uma excelente ginasta, que responde à pressão e melhora nos desafios", conta a responsável pelo projeto Simoni Valente Ribeiro, ex-auxiliar da seleção brasileira de GR.
Após seis anos de treinos, a mudança ultrapassou o esporte e transformou a vida da menina. "Um vídeo antigo mostra ela falando que ficava na rua, jogava bola e tinha pego um monte de carrapatos. Agora ela tem até vergonha. É uma moça linda", conta a orgulhosa a treinadora. "Eu parecia um bichinho do mato, falava tudo errado. Bem diferente de hoje", reforça a atleta.
A ginasta atribui ao projeto o fato de ter uma opção de futuro. "Eu nunca saberia o que é ginástica rítmica, que hoje é minha profissão, minha vida. Eu estaria na rua, brincando com os piás, fazendo o que não se deve. Moro em um bairro perigoso, onde morava a Rachel. Inclusive pego o mesmo ônibus que ela pegava", conta a menina relembrando o chocante crime que vitimou Rachel Genofre, de 9 anos. A estudante foi violentada e morta e teve seu corpo abandonado dentro de uma mala na rodoviária de Curitiba, em novembro passado.
Ajuda
Com a mãe desempregada e o pai desdobrando-se entre o trabalho em um ferrovelho e como motorista de ônibus à noite, Maria Caroline não tinha dinheiro para comprar os aparelhos da GR como fitas, maças e bolas. O jeito era contar com doações. Quando ganhou sua primeira bola importada, o primeiro treino foi praticamente perdido. Parecia hipnotizada pelo presente. De tão impressionada com a qualidade do material, ao invés de retomá-la após o lançamento, ficava olhando até a bola cair no chão.
Recentemente, ao ganhar uma bola nova, cumpriu a promessa feita muitos anos antes e doou a sua para outra menina que também não poderia investir US$ 50 dólares (R$ 109).
Clínica
O título Pan-Americano infantil serviu de ponte entre a ginasta e uma das principais treinadoras de GR do mundo. Responsável por lapidar cinco campeãs mundiais, a búlgara Neska Roveba esteve no Brasil para um treinamento exclusivo em abril de 2008. Eram apenas 15 vagas e Maria Caroline ocupou uma delas.
"Eu não queria nem saber e ficava lá frente das outras meninas para aprender ao máximo, para ela corrigir meus movimentos e me ensinar tudo", lembra. Deu certo. "A Neska gostou tanto da Maria que deu de presente uma série (coreografia) completa de bola para ela", conta a técnica Simoni.
É com ela e com outros movimentos que a atleta tentará realizar seu maior sonho. "Estou me cuidando desde já e estou confiante em conseguir uma vaga na seleção", espera.
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