Quase 100% do transporte de passageiros no país é feito pelas rodovias brasileiras.| Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo

Passam pelas rodovias brasileiras 61% dos deslocamentos do transporte de cargas e 96% do transporte de passageiros, de acordo com a última pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT). Muitos dos trechos com maior volume de tráfego estão concedidos à iniciativa privada. Em algumas situações, o contrato já chega a 20 anos de existência. Mesmo assim, são poucos os usuários dessas rodovias que realmente conhecem o que prevê e quais as atribuições de cada parte dentro desses contratos.

Para começar, é preciso compreender que os governos federal e estaduais não adotam um único modelo de concessão e as regras do contrato dependem do formato escolhido. Um dos modelos seria quando o governo investe e melhora as condições operacionais da rodovia para então conceder à iniciativa privada a gestão do trecho. Quando existe esse investimento anterior, o governo tem então duas possibilidades: ou ele cobra da concessionária vencedora o dinheiro que ele gastou — essa cobrança é chamada de outorga — ou ele considera aquele investimento como fundo perdido e não cobra da concessionária.

No primeiro caso, a concessionária vencedora é aquela que oferecer a maior outorga, ou seja, a maior taxa de retorno para o estado. “A vantagem é que o governo ganha caixa para novos investimentos. A desvantagem é que a concessionária vai inserir no valor do pedágio o dinheiro que foi gasto para o pagamento da outorga”, explica Paulo Resende, coordenador do Núcleo de Logística da Fundação Dom Cabral e um dos principais especialistas em infraestrutura do país. “Essas concessões também são uma fonte de arrecadação para o governo. Ele resolve dois problemas: deixa de investir porque alguém vai investir por ele e ainda recebe um valor que depois vai aplicar em outras rodovias que talvez não tenham concessão”, analisa Eduardo Ratton, coordenador do Instituto Tecnológico de Transportes e Infraestrutura da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

O outro modelo seria quando a rodovia precisa de melhorias, mas o governo não tem dinheiro para fazer esse grande investimento, então transfere para a iniciativa privada e obriga por contrato a concessionária a realizar as obras com os investimentos diluídos dentro do valor do pedágio. “No mundo todo, nós temos basicamente esses dois grandes modelos com três formas de aplicar. O modelo mais usado será aquele que melhor se encaixa na realidade do país, na economia local e, principalmente, em como vai funcionar, ao longo desses anos, a despesa e a receita necessárias para garantir um bom serviço nas rodovias”, analisa Resende.

No Paraná, o modelo escolhido foi o regime de outorga. “Mas não é uma outorga financeira. Eu costumo chamar de outorga física porque o retorno para o estado foi em manutenção e conservação de trechos de estradas sem cobrança de pedágio”, conta João Chiminazzo Neto, diretor regional da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovias (ABCR). São pouco mais de 300 quilômetros de rodovias — chamadas de rodovias ofertadas — mantidos e conservados da mesma forma que os outros trechos mas sem cobrança.

Atribuições

Antes mesmo da licitação para a escolha da concessionária, o governo tem uma tarefa essencial que é definir os trechos que devem ou não ser concedidos. De acordo com Resende, o governo deveria usar três critérios para isso: realizar estudos com rigor científico do volume de tráfego atual e futuro, ter projetos executivos com análises de riscos das intervenções e organizar a fiscalização pela agência reguladora.

Após a licitação realizada, o contrato assinado entre o poder concedente, que seria o governo, e a empresa vencedora prevê todos os investimentos e obras a serem feitas, a localização sugerida dos postos de pedágio e os critérios para reajustes de tarifa. “Entregar para uma concessão não é privatizar. Você apenas repassa para exploração comercial, então é o governo quem decide o que tem que ser feito ao longo daquele tempo”, diz Glavio Leal Paura, professor dos cursos de Engenharia de Universidade Positivo (UP) e especialista em trânsito e mobilidade urbana. “O Programa de Exploração Rodoviária já traz todas essas diretrizes. O concessionário quando assume já sabe de todas as suas responsabilidades, todos os seus prazos a cumprir e, não cumprindo, ele é notificado e multado”, explica Chiminazzo.

Para o governo, não fica praticamente nenhuma obrigação financeira. “A obrigação do governo é fiscalizar a concessão. Verificar se a rodovia se encontra em condições regulares de manutenção a partir de vários índices de qualidade a serem avaliados, como deformação do pavimento, por exemplo”, diz Ratton. De acordo com a Assessoria de Comunicação da Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), responsável pela fiscalização das rodovias federais concedidas, “a empresa que ganhar a outorga de uma rodovia federal terá que prestar serviços aos usuários e fazer a manutenção e conservação do trecho, desonerando o governo federal de investimentos durante a duração do contrato”. No caso das rodovias concedidas no Paraná, a fiscalização fica a cargo da Agência Reguladora do Paraná (Agepar).

Como qualquer empresa privada, também cabe às concessionárias o pagamento de impostos. Segundo levantamento da ABCR, as concessionárias repassaram, em 2016, aproximadamente R$ 800 milhões em ISSQN (Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza) aos municípios que são cortados pelas rodovias concedidas. Nos últimos seis anos, o montante chega a R$ 4,947 bilhões.

Ou seja, como em outras licitações, um contrato de concessão nada mais é do que um documento assinado pelo governo e pela empresa vencedora da disputa, com as atribuições de cada parte. “A gente deveria começar a conviver com as concessões de uma maneira mais amigável tendo o governo no papel principal de facilitador dessa convivência”, finaliza Resende.