Arquitetura
Clima de Copa: conheça o chalé “russo” de Curitiba que acolhia os imigrantes

Foto: Marcelo Andrade/Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
Curitiba tem uma dívida de gratidão com uma casa de madeira escondida entre os labirintos do Bigorrilho. Foi graças a sua existência que a prodígio russa Olga Kiun, 74, uma das melhores pianistas que já pousaram no Brasil, saiu de Moscou em 1993 e trocou a escolha óbvia que seria São Paulo por Curitiba, onde se tornou luz da escola russa de piano em terras tupiniquins. “Eu só tinha 100 dólares no bolso e precisava de um lugar para ficar. Escolhi Curitiba porque meu tios-avós já moravam aqui”, confidencia Olga, que, na época, tinha acabado de ficar viúva e deixava duas filhas na Rússia.


Por seis anos morou no sótão da casa de seus parentes Samuel e Nádia Krasneansky, que deixaram a Moldávia (antigo território da União Soviética) para tentar a vida no Brasil. Ele como professor de inglês e russo, formando um batalhão de novos professores do idioma de Trotsky na cidade (mais uma dívida de honra de Curitiba para com a casa), e ela como enfermeira e dona de casa. Passaram por Fortaleza e São Paulo, até se decidirem se mudar para cá em 1976. Aqui viveram uma vida feliz à la Romeu e Julieta. Olga conta que o casal fazia todas as atividades juntos, da maneira mais romântica que qualquer um possa imaginar, mas que o sonho deles nunca se realizou. “Queriam ter filhos, mas nenhuma tentativa vingou.” Nádia teve mais de 12 abortos espontâneos. Samuel faleceu com mais de 80 anos e Nádia chegou aos 103 anos.

“Até seus últimos dias ainda arrumava a mesa de café para dois”, conta a vizinha Maria Bernadete Caiado, 70, que também foi amiga do casal russo e a grande responsável por convencê-los a vir morar em Curitiba. “Nós nos conhecemos em São Paulo, quando Samuel passou a dar aulas de inglês para meu marido, Roberto. Moramos juntos lá por mais de 15 anos, e nos apegamos. Viemos para a capital paranaense procurando uma vida mais tranquila. Como não vivíamos uns sem os outros, ajudamos até a escolher o terreno para eles”, lembra Maria Bernadete, que hoje é proprietária da casa onde funciona a Construtora e Incorporadora Hyperion.

Técnica construtiva rara
Na década de 1970 o casal encomendou a construção de sua casa. Nesse mesmo período, o modernismo já tinha se alastrado pelo mundo. O Centro Cívico de Curitiba, um dos grandes símbolos modernos da cidade, já estava velho. Mesmo assim Samuel e Nádia não quiseram saber da novidade de grandes janelas de vidro, concreto, diálogo sincero da residência com a rua. Pediram uma casa pré-fabricada que conversa com a sua origem cultural. A obra foi feita pela Construtora Germânica e assinada pelo engenheiro Rogério Costa Guiraud. Por isso, apesar de não guardar características arquitetônicas da terra de Lênin, a moradia tem uma identidade muito próxima das casas dos vilarejos da União Soviética.

Optaram por uma casa de troncos empilhados de araucária (o tom mais escuro da casa hoje se deve a vernizes e à própria oxidação da madeira) com cara de chalé do início do século 20, com cômodos quadrados, janelas pequenas e fechadinhas, um único banheiro, telhado em duas águas (duas superfícies que se intersectam) e forno a lenha.

Mas o pulo-do-gato está no sistema de encaixe dos troncos (fustis), que nunca havia sido visto por pesquisadores da área, como atesta a arquiteta Andrea Berriel, que leciona na UFPR e é especialista em construções de madeira. “É um detalhe com bicos que eu nunca tinha visto. Foi pensado para evitar o acúmulo de água nas juntas, que poderia fazer a casa inteira apodrecer. E ela está em perfeito estado, provando que a técnica funciona”, garante.
