Arquitetura
Concórdia: o refúgio dos músicos

Fachada sóbria e limpa são as marcas da arquitetura alemã da época, bem diferente do ecletismo francês. Fotos: Fred Kendi / Gazeta do Povo | Gazeta do Povo
Um velho ditado diz que “onde dois alemães estão, três clubes são construídos”. Desde a chegada dessa etnia em Curitiba, por volta de 1833, mais de 50 associações diferentes foram criadas. Cada qual com sua própria vocação. O Sport Club Germânia (atual Graciosa Country Club), por exemplo, foi criado para os praticantes de tênis. Já o Weringe Thalia (hoje conhecido como Sociedade Thalia) era voltado para o teatro. O primogênito, porém, foi o Clube Concórdia, fundado em 1887 depois da fusão de duas associações menores. No seu DNA está a música.

Além de ser mais um clube onde a comunidade alemã de Curitiba se reunia para relembrar os costumes da terra natal, o Clube Concórdia, ainda sob o nome de Deutscher Sängerbund (Liga Alemã de Cantores, em uma tradução próxima), era o refúgio dos amantes da boa música, onde famílias inteiras se juntavam para cantar, dançar e tocar seus instrumentos. Em outros momentos, o clube funcionava como o Teatro Guaíra de sua época, com grandes nomes se apresentando em seu palco, como o pianista Walter Gieseking, considerado um dos melhores pianistas de 1952, e o tenor italiano Beniamino Gigli, famoso até hoje por suas apresentações.
O clube era a praça de socialização da comunidade germânica de Curitiba. Como conta o historiador Sergio Odilon Nadalin, professor de imigração alemã na Universidade Federal do Paraná (UFPR), lá eles confraternizavam e até se ajudavam. “A comunidade mantinha uma caixinha de ajuda. Em momentos de necessidade, o primeiro socorro era a própria comunidade. Daí o caráter beneficente das associações alemãs”, explica Nadalin.
Com o passar dos anos, o clube viveu tempos traumáticos. Os conflitos mundiais e as campanhas de nacionalização sob a batuta de Getúlio Vargas fizeram os alemães serem vistos com desconfiança. Ficaram proibidos de falar o idioma natal e tiveram de fechar todas as suas instituições. O medo foi tanto que diversos documentos e atas de reuniões da época foram queimados. A única maneira de manter o clube foi adotar o nome atual e mandar embora todos os funcionários alemães.
O jeito alemão de construir
Não menos interessante é a arquitetura do Concórdia, que hoje integra o Clube Curitibano. A sede foi sendo construída e aumentada aos poucos, por isso o edifício é eclético, uma mistura de vários estilos, tão particular do século 19, como lembra o arquiteto Humberto Fogassa, que está à frente do projeto de restauração da construção.
A arquitetura eclética se caracterizou pela simetria, grandiosidade e riqueza decorativa. Porém, no Concórdia, tudo foi feito ao estilo alemão. Se comparado ao ecletismo francês, por exemplo, a fachada com frisos se mostra mais sóbria e limpa. No interior, destaque para a utilização do sótão ampliado, as folhas metálicas decorativas no teto e os trabalhos em madeira.
Tempo das artes
A partir de 1947, o clube decidiu investir na promoção das artes e, numa jogada de mestre, criou o Salão Primavera, que veio a se tornar um dos mais importantes salões de arte do sul do país. Por mais de 40 anos, passou a ser conhecido para além de seus concertos, orquestras e corais, revelando nomes do cenário artístico paranaense, como João Turin, Alfredo Andersen, Theodoro de Bona e Guido Viaro.
Gaúcha de Passo Fundo, a socióloga Maria Herrmann Destefani, 64 anos, presenciou essa efervescência cultural de perto. Filha do maestro e organista Rodrigo Herrmann, que dirigia o coral da Catedral Metropolitana de Curitiba e integrava alguns grupos do Concórdia responsáveis por organizar as atividades culturais, Maria cresceu na capital paranaense cantando em corais. “Meu pai me iniciou na música. O que me lembro era a riqueza cultural pelo qual passava o clube na época. Foi algo lindo de viver”, confidencia a cantora, que, desde 2000, atua no coral Collegium Cantorum, também sediado no Concórdia. “A música é um elo que nos faz reviver nossas raízes.”



