Da volta às raízes à revolução digital criativa

Arquitetura

Conheça os temas que marcaram a arquitetura e o design em 2023 e como eles impactam o cotidiano

Cristina Seciuk e Sharon Abdalla
13/12/2023 16:22
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O ano é 2023 e pela primeira vez na história o Brasil recebe o Leão de Ouro na Bienal de Arquitetura de Veneza, como melhor participação nacional da mostra. Em sua 18ª edição, la Biennale se posicionou como um “Laboratório do Futuro” e a laureada intervenção de Gab de Matos e Paulo Tavares no pavilhão brasileiro, batizada “Terra”, propôs desenhar futuros possíveis a partir da ressignificação do passado. Fortemente presente na atualidade (conforme indica o próprio reconhecimento conferido pelo júri da Bienal), esse olhar para raízes, para legados, surgiu como tendência que pode ser resumida em uma palavra: ancestralidade.
Àqueles a quem incomoda o termo “tendência”, ele aparece aqui calcado no exercício de observação, passando longe de rótulos aleatórios. Conforme define Julia Curan, diretora de Tendências e Futuros da consultoria especializada BOX 1824, “tendência é a recorrência de um padrão, de manifestações, de expressões” – e desde a entrada no século 21 muitas dinâmicas passaram a mudar, com impactos importantes especialmente no que diz respeito a comportamentos.
Um mundo progressivamente mais conectado trouxe consigo a relativização das barreiras físicas e geográficas, acompanhado da proliferação de conhecimento e de acesso à informação de modo menos mediado. Como reflexo desse panorama, dinâmicas de longa data são desafiadas.
“Pessoas conectadas começam a reescrever a história, a repensar. Que tipo de informação eu quero consumir, que tipo de produto, como as empresas se estruturam? Tudo isso começa a ser reescrito”, avalia Julia. “Sintoma” dessa movimentação é uma oscilação na bússola de influência global, que passa a se desviar do Norte, hegemônico até então. “O Sul global, que no último século olhou muito para o Norte para buscar essa inspiração, passa a olhar para si. Esse é o nosso ponto de partida e é importante para entender para onde vamos olhar e quais são as grandes tendências que surgem e impactam a nossa região”, completa.
É uma percepção que encontra eco claro na participação brasileira na Bienal de Veneza. Arquiteta e curadora de “Terra”, Gab de Matos contou a HAUS que o projeto surgiu de uma vontade de “convidar principalmente nós, brasileiros, a pensarmos a partir do nosso território”. Intervenção mais fundamental do pavilhão, o piso completamente coberto de terra remete diretamente ao marcante chão batido da arquitetura afro-brasileira, das comunidades indígenas, sertanejas e quilombolas, em alusão ao fato de que, para se compreender o que está ali é preciso pensar a partir daquele lugar. É uma espécie de “convocação, não só para o campo da arquitetura e do design, [mas] para a sociedade brasileira de uma forma mais geral começar a pensar em estratégias a partir da nossa experiência, do nosso território, que é muito singular”, destaca.
Reflexão sobre passado e futuro ocupou o pavilhão brasileiro na Bienal de Arquitetura de Veneza com "Terra". Com curadoria de Gab de Matos e Paulo Tavares, a proposta levou o Leão de Ouro de melhor participação nacional em 2023.
Reflexão sobre passado e futuro ocupou o pavilhão brasileiro na Bienal de Arquitetura de Veneza com "Terra". Com curadoria de Gab de Matos e Paulo Tavares, a proposta levou o Leão de Ouro de melhor participação nacional em 2023.
A proposta, diz ela, é justamente por abandonar a busca por referenciais na distância, “em um horizonte muito europeu”, e voltar a atenção a modos de viver e de ver o mundo que foram (e ainda são) sistematicamente invisibilizados. “No meu trabalho, quando falo que precisamos olhar para essas experiências é porque elas sempre estiveram aqui e vão continuar, o que está em declínio é o jeito de fazer colonizado. [...] Somos acostumados a colocar as coisas em lugares diferentes: tem o erudito, tem o popular; o erudito é sempre o modo de fazer branco, o popular é o preto, indígena, pobre, mas na verdade o que está em declínio é esse outro. Então, como a gente pode olhar e aprender com essas experiências e criar outras? É olhar, aprender, reconhecer e valorizar”, pondera.
Parte da avaliação da arquiteta passa pela questão ambiental e de sustentabilidade (que já transcendeu a tendência para tornar-se tema onipresente). Segundo ela, vivemos um momento de reflexão obrigatória para todos os setores da sociedade, e esse olhar precisa passar por saberes que se opõem ao caminho que nos trouxe até aqui.
“Temos grandes pensadores, como o Aílton Krenak, que falam muito sobre o futuro ser ancestral, sobre essas outras formas de existir que sempre respeitaram outras vidas, respeitaram o planeta. Estamos num momento de todo mundo fazer essa reflexão, nos lugares que a gente ocupa na sociedade e, [a partir daí] buscar criar microrrevoluções.”
A temática se fez presente também na Semana de Design de Milão em inúmeras abordagens, dentre as quais a do designer Pedro Franco.
“Ancestralidade é o acúmulo de nossos conhecimentos. Um fio condutor que liga evolução histórica. [...] Acredito também que a soma de nosso passado e o improviso humano é que gera o verdadeiramente novo. Nosso DNA não é de uma ou duas gerações, mas traz à tona milhares de anos de história. Quando pegamos uma caneta, por exemplo, junto a esse ato há uma comunicação com nossos ancestrais que riscavam as paredes das cavernas como forma de registro de histórias”. 
Pedro Franco, designer, diretor de arte e fundador da A Lot of Brasil
O brasileiro levou um conceito filosófico para o Salone del Mobile ao traçar um paralelo entre a expressão contemporânea do pixo (comumente observada nos centros urbanos) e as pinturas rupestres encontradas em sítios históricos como o Parque Nacional da Serra da Capivara, no Piauí. Uma leitura indiscutivelmente tupiniquim, mas mergulhada num caldo global.
Estande da A Lot of Brasil, de Pedro Franco, no Salão do Móvel de Milão: um Brasil originário, do "tempo das cavernas", se mescla à contemporaneidade urbana, um paralelo entre o pixo e as pinturas rupestres
Estande da A Lot of Brasil, de Pedro Franco, no Salão do Móvel de Milão: um Brasil originário, do "tempo das cavernas", se mescla à contemporaneidade urbana, um paralelo entre o pixo e as pinturas rupestres
O designer avalia que “nós, como brasileiros, nos conscientizamos que habitamos terras previamente habitadas por povos ancestrais. O Brasil não foi “descoberto” por portugueses. Quem verdadeiramente povoou o Brasil foram africanos vindos para cá sob regime de escravidão. [Essa mesma conscientização histórica] ocorre no que tange a Europa. As colônias foram o ponto central para o desenvolvimento do eurocentrismo. Vivemos um mundo do ‘mea culpa’ e do resgate histórico”.
Ainda ao comentar seu olhar para a ancestralidade, Franco revela que mirou em criar uma coleção que instigasse a percepção de valor de nossa história como base na construção – ou reconstrução – do futuro. “Acredito que, atualmente, um produto deve ter uma análise mais antropológica. Olhar para fora, entender a sociedade e utilizar o design como uma engrenagem que leva o usuário a refletir. Sob tal análise, passamos momentos impactantes com o advento da inteligência artificial e do ChatGPT. [Carl] Jung [fundador da psicologia analítica] já dizia que quando nos defrontamos com receio perante o futuro é melhor buscar nosso alicerce no passado”, completou em entrevista a HAUS.
Tal interseção entre o avanço da Inteligência Artificial (AI) e a valorização da ancestralidade não é coincidência. 2023 ficará marcado como inegável ponto de inflexão para a tecnologia, com a perspectiva de que o boom das Inteligências Artificiais generativas, iniciado agora, redesenhe as relações humanas com o mundo, a exemplo de movimentos anteriores – a saber: a Revolução Industrial (que redefiniu nossa relação com o tempo) e a revolução tecnológica promovida pela internet (que rearranjou permanentemente as noções humanas de espaço).
Com impactos ainda incertos e consequências que não se pode antever, o cenário desperta tanto deslumbramento quanto temor.

Revolução em curso

Velha conhecida, a Inteligência Artificial surgiu na década de 1950 e teve até recentemente papel predominantemente analítico, emprestando suas “capacidades” para filtrar e arranjar dados. Agora, cruzamos uma nova fronteira, com o emprego dessa tecnologia na geração de dados (daí seu nome, IA generativa). Marco principal da revolução em curso, o lançamento do ChatGPT (do inglês “Chat Generative Pre-Trained Transformer”, ou “bate-papo transformador pré-treinado generativo”, em tradução livre ), em novembro de 2022, colocou este tipo de tecnologia ao alcance das massas. A adesão teve ritmo galopante.
Em cinco dias o algoritmo desenvolvido pelo laboratório de pesquisa norte-americano OpenAI contava um milhão de usuários (número que o Instagram, por exemplo, levou dois meses e meio para conquistar, a Netflix, três anos e meio); após dois meses no ar, o serviço já havia alcançado cem milhões de pessoas. Pioneiro como “ferramenta” à disposição do público em geral, o ChatGPT segue como IA de maior alcance da atualidade e pode ser considerado, também, a tecnologia com adesão orgânica mais rápida da história.
Voltando a ela, a Inteligência Artificial, por si só, não é novidade. Está inserida no nosso cotidiano em diferentes contextos a partir de diferentes marcos históricos.
O termo surgiu em 1956, cunhado pelo norte-americano John McCarthy, mas a ideia de IA foi criada pelo matemático e cientista britânico Alan Turing, que em 1950 propôs um teste (que leva seu nome) para identificar a efetiva equiparação de um sistema computacional à inteligência humana. Após seu surgimento, o primeiro grande momento da tecnologia ocorreu na década de 1980, com o desenvolvimento do machine learning e das redes neurais para a identificação de padrões. Nos anos 2000, a explosão do big data dá seguimento a avanços que se tornam mainstream em 2010, quando as chamadas big techs passam a inserir Inteligência Artificial em seus sistemas, produtos e serviços.
Assistentes virtuais como Alexa e Siri, a função “autocompletar” do Gmail, o robô aspirador do dia a dia, todos rodam com IA embarcada. Por que o burburinho, então? A grandiosidade da “modalidade” generativa, diz Julia Curan, está no seu poder disruptivo de criar, assumindo uma capacidade antes restrita ao ser humano.
De um modo, a Gen IA democratiza a criação e a criatividade, tornando qualquer um – a rigor – capaz de produzir quaisquer tipos de conteúdos contanto que ofereça à tecnologia os prompts adequados (ou seja, o comando, a inteligência humana aplicada), a partir de uma base de dados igualmente adequada. Dessa interação saem imagens, artes, textos, música, projetos de arquitetura e design. O momento é classificado pela consultoria Box 1824 como uma “revolução da imaginação”.
Estudioso do tema, o pesquisador, arquiteto e mestre em Tecnologia da Arquitetura pela FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo) Vinícius Pereira avalia que a utilização das IAs em atividades de criação não foge às previsões. “A gente apenas precisava de um pouco mais de tempo para que elas acontecessem, no sentido de que a tecnologia já existia, ela só precisava ser distribuída – e ela está sendo massivamente distribuída agora”, pondera, ao comparar o panorama atual com outro, de 2021, quando defendeu sua dissertação sobre a interação entre o arquiteto e a Inteligência Artificial.
Criado pelo laboratório Open AI, o chat GPT se tornou sinônimo de inteligência artificial generativa e foi a primeira ferramenta do tipo a ser disponibilizada ao grande público, em novembro de 2022
Criado pelo laboratório Open AI, o chat GPT se tornou sinônimo de inteligência artificial generativa e foi a primeira ferramenta do tipo a ser disponibilizada ao grande público, em novembro de 2022
A avaliação, no entanto, é de que a Inteligência Artificial generativa será benéfica a depender do modo como for percebida e empregada.
“O lance que eu falo na dissertação é sair de ferramenta e ir para a alteridade, para o interlocutor. [...] Então você tem algo que é estranho ao seu corpo, à sua existência enquanto ser, mas você consegue ter uma interlocução com aquilo e aquilo te traz coisas novas ou te faz ver o mundo de um jeito diferente. Então sairia [a lógica] ‘eu estou usando isso para fazer alguma coisa’ para ‘eu estou fazendo isso com essa coisa’”.
Vinícius Pereira, mestre em Tecnologia da Arquitetura
“Essa é a grande origem da discussão de tecnologia digital na arquitetura. Não é necessariamente utilizar computadores ou softwares, é incorporar o pensamento algorítmico de sistemas complexos dentro do seu processo de projeto”, defende.
Na contramão, potenciais “cascas de banana” podem aparecer com a adoção irrefletida. “Para o que está acontecendo agora e para o mercado em si é muito mais fácil vender essa ideia da Inteligência Artificial como um pacote de ferramentas, é muito mais fácil de transmitir o que você está vendendo e o valor na utilização daquela ferramenta se você assimila aquilo como alguma coisa que já existe, um jeito de usar que já existe. Mas eu acho que o potencial [da IA para a arquitetura] está realmente em não usar do jeito que a gente usava, se não só estamos criando mais um AutoCAD, mais uma ferramenta que vai dominar a indústria e da qual ficaremos reféns. E se a gente tem um jeito novo, um jeito aberto, mais livre (no sentido de software mesmo)?”, provoca.
Entusiasta das tecnologias e defensor da tese de que a arquitetura é indissociável delas, Guto Requena também acredita que o que estamos vislumbrando é o potencial para que cada vez mais homem e máquina trabalhem juntos. “A ideia da IA, se bem utilizada, é a de liberar nossas horas de trabalho para focarmos mais na criatividade, nos liberar das horas técnicas de trabalho para que possamos estar mais libertos para a criatividade”, acredita o arquiteto, que  completa: “acho que os profissionais que estão com muito medo do IA estão com medo de perder a parte técnica. Arquitetos que têm, de fato, um perfil mais criativo, mais inovador não terão medo, irão trabalhar junto com a Inteligência Artificial. Eu acho que é mais o medo do novo, porque o universo de possibilidades que se abre com a IA é muito grande”.
Requena, que há 15 anos desenvolve projetos com uso de sensores, atuadores, microcontroladores, criando arquiteturas interativas e experiências imersivas, acredita no surgimento de oportunidades para propor novas estéticas e que a tecnologia facilitará processos técnicos, levando a atividade profissional para o desenvolvimento de projetos com mais criatividade e inovação.
Edifício Terra (conceito), criação do Estúdio Guto Requena, tem como premissa o design generativo, que pensa projetos a partir da lógica computacional
Edifício Terra (conceito), criação do Estúdio Guto Requena, tem como premissa o design generativo, que pensa projetos a partir da lógica computacional
A perspectiva mais otimista é de um aumento na capacidade de visualização, articulação, percepção e expressão que os sistemas de Inteligência Artificial podem proporcionar. Para Mauro Cavalletti, fundador da Beatnik, “quando utilizados como parceiros criativos, quando geramos um fluxo de buscas e respostas no processo de ideação e detalhamento de ideias, destravamos um enorme potencial humano na geração de respostas criativas para qualquer situação”.
De olho no futuro, a percepção é de avanços inescapáveis, com transformações que continuarão a promover rupturas em nossas práticas e mudando completamente a maneira como trabalhamos.
“Chegamos em um momento da evolução dos sistemas de aprendizado de máquina em que as mudanças são exponenciais, trazendo escala e impacto enormes. Do ponto de vista criativo, algumas frentes neste desenvolvimento abrem perspectivas gigantes para nossos métodos de trabalho. Talvez o mais significativo seja o emprego de modelos de linguagem natural, que torna o processo de uso cada vez mais centrado no humano, potencializando nossa capacidade inata de gerar soluções criativas e criar narrativas. Mais ainda, o crescimento gigantesco da base de desenvolvedores e a expansão de ofertas de soluções acessíveis gerou uma ampliação ao acesso e adoção de inteligência artificial para tarefas profissionais cotidianas, o que é um passo importante para a democratização dessa tecnologia”.
Mauro Cavalletti, fundador da Beatnik
A partir dessa análise, Cavalletti pondera que é essencial estar atento a eventuais riscos que se apresentem, mas de maneira pragmática. Ele justifica: “a evolução que estamos vivenciando é maior que nossa capacidade corrente, enquanto sociedade, de compreendê-la. Pessoalmente, acredito que o impacto não acontece somente nos processos criativos mais repetitivos e mecânicos, mas em todo o ciclo criativo”.
Neste sentido, avalia que desvantagens ou “armadilhas” comumente apontadas como possíveis consequências do emprego da Gen IA não são exclusivas dela. “É o caso do risco de comoditização do trabalho criativo, de um possível esvaziamento do valor do trabalho criativo. Outro risco visível de comoditização é a possibilidade de aceitação de respostas criativas imediatas e medianas geradas pelos sistemas de inteligência artificial, o que certamente virá com a escala de uso. Esse é um cenário de entropia criativa, onde as soluções vão se desgastando com o tempo, em função da perda de impacto. A criatividade está muito ligada com a nossa capacidade de surpreender, de constantemente gerar novos caminhos”, complementa.
Aqui, Cavalletti vislumbra que a escala e a democratização do uso dessa tecnologia vão gerar acesso e exposição a um número cada vez maior de criativos, cuja entrada na indústria será facilitada por ferramentas de expressão cada vez mais poderosas e acessíveis, com impactos positivos de diversidade.
Ainda que concorde que as IAs carregam consigo oportunidades, o pesquisador Vinícius Pereira alerta para outro risco além da eventual precarização do mercado de trabalho: de uma descaracterização e empobrecimento da arquitetura brasileira.
“A gente acaba recebendo muita coisa pronta que não necessariamente tem a ver com o nosso mercado de construção e arquitetura. Tem mais essa camada, de você receber uma tecnologia que talvez execute determinadas tarefas por você, mas de um jeito que não é o jeito de fazer projeto no Brasil. São coisas que podem fazer com que a nossa cultura de projeto, cultura de construção, seja modificada profundamente”, alerta.
A preocupação levantada tem relação com o fato de que esses modelos de IA generativa são treinados para responder a situações novas com base em referências que, hoje, vem massivamente da indústria estrangeira, podendo gerar resultados enviesados. “São aspectos que, inclusive, vão contrastar com a ideia de movimentos decoloniais ou de fomento a uma arquitetura com identidade nacional, vernacular. Se a indústria local e todo mundo no meio dessa sopa de pessoas que fazem a construção civil no Brasil não estão também alimentando essas IAs generativas, não haverá representatividade nesses bancos de dados”, pondera.
Carregando nas tintas, em um exercício de mais longo prazo, o viés estrangeiro e uma irrefletida dependência das IAs como ferramentas de criação poderiam ainda comprometer a formação de novas gerações de profissionais.
“Na minha dissertação eu uso um exemplo de um concurso de uma UBS na Paraíba. Peguei o edital e imaginei como a Inteligência Artificial poderia ajudar a construí-la. Se a gente pensa que está fazendo um projeto numa área que não está informatizada, que não tem o nome da rua no Google Maps, com informações de satélite ou escaneamento da área antigos ou de qualidade duvidosa, a IA vai encontrar um limite, não vai conseguir ir além daquilo. Se o ensino da Arquitetura for completamente digitalizado e completamente ligado a IAs generativas, como é que a gente vai treinar profissionais para construir para o Brasil ‘de fato’, não só para o Brasil-Sudeste? As capitais podem ser muito informatizadas, mas o Brasil profundo não é. Então, quem vai construir para esses lugares?”, questiona.

Humanidade no centro

Em última análise, tanto o olhar para a ancestralidade quanto o avanço da Inteligência Artificial são discussões sobre pessoas.
Por um lado, tal ambiente de valorização da formação da arquitetura nacional, com reconhecimento da colaboração e da influência de saberes não europeus pode ter o condão de fomentar um setor mais diverso e inclusivo. A demanda (e a necessidade) de os escritórios desembranquecerem, decolonizarem, promete “mais profundidade de discussão e resultados mais interessantes. Essa é a grande pauta, a grande tendência”, avalia o arquiteto Guto Requena. Já a ascensão das IAs generativas vem acompanhada de desafios – inclusive de ordem ética - , mas é amplamente vista como inegociável e como tecnologia que surge para empoderar, não substituir. Para a especialista em tendências e futuros da Box 1824, “o futuro dessas Inteligências pode ser mais como um oráculo, um grande espaço de conhecimento que vai nos ajudar a entender o mundo, a encontrar respostas para perguntas extremamente difíceis e complexas, mas sem ter um self. Isso está nas pessoas”, conclui.
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