Comportamento
Arquitetura
Tendência ou modismo? Por que novos compradores estão preferindo imóveis antigos

Projeto do Studio R em apartamento no Edifício Paraná, ícone do modernismo em Curitiba. | Studio R
O casal de arquitetos franceses Anne Lacaton e Jean-Philippe Vassal, vencedores do Prêmio Pritzker 2021, considerado o "Nobel da arquitetura", costumam dizer que a demolição de espaços é um ato de violência: gera impacto social e desperdício de materiais e de história.
Por isso, levando em conta essa lógica do casal de arquitetos franceses, transformar e melhorar o que já existe faz parte de uma arquitetura inteligente. Logo, optar por apartamentos antigos (leia-se: construções anteriores aos anos 1980) para viver faz parte dessa escolha consciente, que vêm se tornando uma tendência que deve persistir nas grandes metrópoles, principalmente pela falta de novas áreas para construir.
Fora isso, a possibilidade de pagar menos pelo metro quadrado com uma planta generosa e boa localização são outros fatores que atraem pessoas como a chefe de negócios Kathleen Fornari, que está de mudança para o Edifício Paraná, um ícone modernista de Curitiba projetado por Elgson Ribeiro Gomes, um dos expoentes do movimento no Paraná.

Construído entre 1965 e 1968, não tem como passar batido ao edifício com dois blocos de vinte andares e grandes janelas azuis de correr, situado na rua Visconde do Rio Branco, esquina com a Comendador Araújo. "Desde que comecei a procurar apartamento para comprar eu queria um antigo. As estruturas são sólidas, ele tem pé direito alto, as janelas são enormes e não escuto os vizinhos", enumera Kathleen.
Outro fator fundamental para ela foi a localização central. "Eu gosto de centro, de andar, de estar em um lugar que eu possa fazer minha vida a pé. Também gosto da história, de pessoas que vivem lá desde que o prédio existe junto com outras mais jovens, como é o meu caso, que renovam o lugar".
O preço mais acessível, porém, pode não ser tão vantajoso para quem quer entrar em um lugar "pronto" para viver: apartamentos antigos exigem reforma. O imóvel de Kathleen está passando por uma total, com integração de espaços (nem sempre a lógica da divisão faz sentido para o estilo de vida atual) e troca da parte elétrica e hidráulica, aspecto fundamental, explica a arquiteta e fundadora do Estúdio A/R, Aline Roman.

"A planta dos apartamentos antigos é incrível, as paredes são sólidas e há um conforto térmico e acústico. Mas é obrigatório trocar todo o encanamento, que na época era de ferro, e enferruja. Na elétrica, é necessário adaptar-se às novas normas da ABNT. E essa troca, comparando com um corpo humano, é como você trocar todo o sistema linfático e as veias. E isso pode assustar um pouco as pessoas", frisa ela.
As adaptações na elétrica precisam atender também ao estilo de vida atual, salienta o arquiteto Danilo Akio Hiraoka, sócio da Estúdio Brasis junto com Evelyn Makovski. "A localização de pontos de tomada nem sempre são suficientes ou dispostos da melhor forma. Por isso há mudanças que são detalhes para trazer mais facilidade e praticidade ao morador".
E, no quebra-quebra, podem surgir surpresas, como uma lógica de encanamento ruim, por exemplo. "Isso é difícil de trabalhar, mas há outras várias benesses, como ter um apartamento inteiro com piso de madeira sem pagar muito", aponta Aline Roman. Manter revestimentos originais tampouco é mais econômico, mas o reaproveitamento e o investimento faz sentido para perfis de pessoas como Kathleen, que querem preservar a história do prédio: o projeto do seu apartamento (a cargo do Estúdio A/R), reaproveitou todos os azulejos do banheiro, originais da década de 1960.


Nem todo o apartamento antigo é necessariamente bom: por isso, a arquiteta recomenda, se possível, que, antes da compra, a pessoa tenha assessoria de um arquiteto para checar o local, a planta e as possibilidades de renovação. "Veja a incorporadora responsável, chame um arquiteto para avaliar. Muita coisa fica mascarada", alerta Aline.


Localização importa para mim?
Se encantar por um chão de taco é fácil. Mas: será que morar em um apartamento central faz sentido para o meu momento de vida? A arquiteta Evelyn Makovski salienta que essa é uma ponderação importante. Além da questão custo de reforma (cujo valor somado com a compra do imóvel pode se aproximar de um apartamento novo), prédios construídos entre os anos 1950 e 1980 não costumavam priorizar áreas de lazer. "Se você está em um momento de vida em que precisa de mais áreas externas, um apartamento antigo não será tão bacana. Mas, se a sua necessidade é de mais área interna, a opção é uma boa, por esses imóveis terem proporções mais aconchegantes".

Evelyn orienta ainda a verificar a questão da vaga de garagem: estes imóveis costumam ter somente uma vaga e, às vezes, nenhuma. "Tem pessoas que resolvem isso alugando em estacionamento privado próximo, aí precisa pesar se faz sentido para você".
Estar em uma área já desenvolvida, em que não existe mais espaço para novas construções, é outra vantagem, acredita Evelyn. "Você sabe qual vista terá da sua janela, a iluminação, como funciona o bairro e o condomínio". Não precisar de carro, poder ir à padaria andando e almoçar em um restaurante ao lado de casa são comodidades que um apartamento central proporciona, o que cria, fala Aline Roman, um "diâmetro de afeto" ao redor de casa. Ou seja: mais conexão com a cidade e a história.

Pesado todos os prós e contras, se os pontos positivos são maiores, não se esqueça do tempo de obra: leva tempo e é estressante, adverte a arquiteta Aline Roman - ela calcula que apartamentos próximos a 200 m² podem demorar cerca de sete meses para ficarem prontos . "Quer um imóvel antigo? Tenha tempo para esperar e fazer uma obra eficiente. Boa arquitetura precisa de tempo".