Em um semestre em que o mundo parou por conta do avanço da pandemia da Covid-19, o design mais uma vez provou a que serve e que nem as dificuldades são capazes de frear a força do setor, que tem na criatividade dos designers sua base para trazer soluções, beleza e bem-estar para a vida cotidiana.
Os impactos, é claro, vieram. Pela primeira vez na história, o Salão do Móvel de Milão, maior, mais concorrido e mais importante evento do setor, não aconteceu. Após o adiamento de abril para junho, a organização decidiu por cancelar a que seria a 59ª edição do evento. As atenções, agora, estão voltadas para o aniversário de 60 anos do iSalone, que será celebrado em uma edição histórica, que pela primeira vez trará Eurocucina e Euroluce juntas, agendada para abril de 2021.
Mas nem tudo foi postergado. O Fuorisalone, mostra paralela igualmente celebrada da Semana de Design de Milão, reinventou-se e apresentou, entre os dias 15 e 21 de junho, sua inédita edição digital. HAUS foi media partner e único veículo em língua portuguesa a cobrir o evento, que reuniu quase 300 marcas em uma celebração ao design.
Faltaram as cores, os aromas, o burburinho das ruas e a surpresa de se ver cara a cara com os mestres pelas exposições e andanças que caracterizam a semana de design. Mas não faltaram lançamentos, apresentados também por marcas consagradas que, mesmo não participando da mostra digital, aproveitaram a agenda para, de forma paralela, dar visibilidade às suas criações.
Sobraram, também, discussões sobre sustentabilidade, consumo, ressignificação do lar e futuro das casas e cidades. A equipe de HAUS, no Brasil e em Milão, acompanhou as discussões e os lançamentos e os traduziu em tendências e temas que nos guiarão nos primeiros passos que daremos dentro do que deverá ser o “novo normal”. Boa leitura!
Linhas e curvas
As linhas aparecem e as formas arredondadas têm suas curvas destacadas em coleções e peças que ilustram no que um bom desenho pode resultar. Mais do que a racionalidade das angulações, ganham destaque os traços orgânicos em propostas fluídas e descomplicadas.

Häberli para Moroso, traz
linhas orgânicas para
responder à multifuncionalidade. Foto: Alessandro Paderni



Rodolfo Dordoni para
Cassina, mescla couro,
madeira e mármore. Foto: Divulgação

por Patricia Urquiola
para Moroso, traz apoios
de braços largos em
peça única. Foto: Alessandro Paderni
Além da estética
Forma, função e conforto. Em 2020, o design ganhou um terceiro sinônimo pelas mãos de profissionais que, menos preocupados com o minimalismo, fazem dos traços de sofás e poltronas um convite ao descanso e relaxamento, seja nos ambientes públicos ou privados. Peças responsivas, que se adequam ao corpo ou formas desejadas pelo usuário, também se destacam.

Studio para Gebrüder
Thonet Vienna, traz desenho leve com personalidade. Foto: Divulgação

círculo inspira a coleção
Deep, por Nika Zupanc
para Natuzzi Italia. Foto: Divulgação

Rie Aruga concebeu um assento moldável. Foto: Divulgação

Ludovica + Roberto
Palomba para Zanotta,
compõe a coleção “Back
to Emotions. Foto: Divulgação

três cabos que permitem agradável movimento de balanço. Foto: Divulgação
Eternos
Um bom design é um design que perdura. O consenso universal encontrou ressonância entre as marcas que investiram em reedições de peças clássicas ou que trazem referência direta dos profissionais nos quais foram inspiradas fazendo mais atuais do que nunca itens que carregam bons anos de história e sucesso.

Bois, de 1941, por Jean
Prouvé, produzida pela
primeira vez pela Vitra. Foto: Divulgação

Fair, de 1930, é revisitada e teve suas proporções adaptadas ao
estilo de vida contemporâneo por Roberto Lazzeroni para
Poltrona Frau. Foto: Divulgação

universo de Piero
Fornasetti inspiram a
coleção de mosaicos
da Bisazza. Foto: Divulgação

1970 é o Camaleonda,
de Mario Bellini, relançado em versão contemporânea pela B&B Itália. Foto: Divulgação

Cassina reeditou o clássico Maralunga, de 1973. Foto: Divulgação
Nada básico
Não é de hoje que as cores trazem ainda mais vida à semana de design de Milão, e neste ano não foi diferente. Paletas e tons vibrantes aparecem em coleções ou peças que atraem o olhar e garantem personalidade a qualquer ambiente, sozinhas ou em composições.


LEO, por Daria
Zinovatnaya para
Adrenalina. Foto: Divulgação

Missoni Home, as cores
aparecem em um equilíbrio perfeito com o design e as texturas dos tecidos. Foto: Divulgação

city of Belgium”, do estúdio belga Kiiv em
colaboração com a Ora Pro Nobis. Foto: Divulgação

para a Chimera, sua coleção de revestimentos. Foto: Divulgação
Mais do que iluminar
2019 foi o ano da Euroluce, mas nem por isso as marcas abandonaram as luminárias em 2020. Pendentes e arandelas com desenhos minimalistas ou repletos de detalhes tiveram seu espaço garantido entre os lançamentos, com propostas que transitam do clássico ao contemporâneo.





A ordem é mudar
A necessidade de adaptação nunca esteve tão evidente como agora. E, coincidentemente ou não, muitas das peças apresentadas durante a semana de design têm a flexibilidade de composição ou a mobilidade entre as principais de suas características.

por Toni J. Castaño, do
estúdio Sancal, traz
versátil sistema de
assentos seccionais. Foto: Divulgação

para Cassina, permite
personalizar a composição de assentos, encostos e apoios de braço. Foto: Divulgação

possibilita diversas configurações ao móvel. Foto: Divulgação

Olivier Vitry para
Claisse Architectures,
permite a composição
dos módulos. Foto: Divulgação
Coração da casa
Ela sempre foi o centro da casa e seria o centro das atenções da Rho Fiera, caso os pavilhões da Eurocucina pudessem ser abertos em 2020. Modernas e arrojadas, as cozinhas ganham destaque nas coleções apresentadas pelas gigantes do design mundial, assinadas por nomes igualmente estelares.

Piero Lissoni para Boffi,
traz blocos de preparo e
trabalho conectados por
estrutura metálica. Foto: Divulgação

Francesco Meda para
Dada, com sistema
modular e flexível por
meio de trilhos. Foto: Divulgação
Proteção
Intencionalmente ou não, foram diversos os lançamentos que fazem paralelos às necessidades de proteção social e doméstica contra o contágio viral. O que não significa peças estéreis e sem vida, mas sim obras que ressignificam o substantivo por meio de traços, formas e cores únicas.

por Matteo Cibic para
FusinaLab, tem
traços elegantes e
discretos. Foto: Divulgação

Giacomo Balla para Cassina, reedita desenho de 1917 destacando o colorido artístico da peça. Foto: Divulgação


acessórios Stay
Collection, por
Neri&Hu para
Cassina, pode ser
adaptada para halls
e demais ambientes. Foto: Divulgação

alumínio Free, da
Safe by Medit, são
“revestidas” com
Agavir, um tecido
higienizante. Foto: Divulgação
Design para trabalhar
Antes tido como tendência, o home office tornou-se realidade -que deve perdurar, inclusive, quando passada a pandemia. Mais do que conforto e ergonomia, os lançamentos fazem das peças aliadas para uma decoração que compõe qualquer ambiente com estilo.

David Lopez Quincoces
para Living Divani, traz
linhas gráficas e combinações de materiais. Foto: Divulgação

Spa revisita produtos da
marca e apresenta
novas peças e acessórios para áreas de trabalho domésticas. Foto: Divulgação

Bookshelf, pelo designer Alain Chennaux,
ganhou novas cores e
acabamentos. Foto: Divulgação
Sustentável
A sustentabilidade já deixou de ser promessa e se tornou característica indispensável para muitos fabricantes. Entre os lançamentos de 2020, ela aparece em pesquisas tecnológicas de matéria-prima, reaproveitamento de materiais e tecidos e preenchimentos mais ecológicos.

tecnologia Bloom,
apresentada pela Fenix,
reduz em 50% a quantidade
de fenol incluído na
composição das resinas, Foto: Divulgação

com a Food for Soul, apresentam peças
produzidas com pedra natural e mármore
descartados de pedreiras abandonadas. Foto: Divulgação

cadeira Remind, da
Pedrali, está entre as
primeiras peças da
marca feitas
integralmente em
polipropileno reciclado. Foto: Divulgação
Lar, doce lar
"Um lar do mundo real”. A frase de Giuliano Mosconi, presidente da italiana Zanotta, sintetiza o recado que fica da semana do Fuorisalone Digital. Uma casa acolhedora, que seja sinônimo de proteção e que faça sentido diante de um mundo (e de uma vida) repleta de incertezas. Afinal, nunca antes a maioria de nós, moradores, teve um contato tão próximo com a casa como o que vivenciamos agora, por mais contraditório que isso pareça.
E o questionamento desta “identidade doméstica”, como destaca o arquiteto Fabio Novembre, invariavelmente nos levará (se já não nos tem levado) a reavaliar fluxos, espaços e objetos. A fazer com que a decoração e os móveis sejam ferramentas para contar nossas histórias, para mostrar, de maneira física, quem somos ou queremos ser, enfatizando a personalidade ao modismo. “Sem isso, que lar é esse?”, provoca.
Nesta linha, a ideia de casa perfeita, na qual tudo é milimetricamente disposto, cai por terra. Afinal, a casa é viva. Mais do que nunca, ela responde prontamente às nossas necessidades de adaptação e se torna, assim como nós, multitarefa: escritório, sala de ginástica, spa e restaurante onde antes havia apenas cozinhas, dormitórios e salas de estar.
E as marcas estão atentas a estes movimentos e às mudanças que eles provocam. Mais do que embelezar, as peças são pensadas para serem efetivamente utilizadas. Para trazer conforto, satisfação e aconchego de maneira ética e sustentável. O conceito, que foi estendido para além da matéria-prima e dos modos de produção, passou de diferencial a item obrigatório entre as mentes e indústrias que ditam o que entrará pelas nossas portas para fazer parte de nossas vidas. E talvez indique o caminho que devamos buscar no pós-pandemia: o equilíbrio das necessidades humanas por conexões reais, sejam elas econômicas, sociais ou ambientais.