O inédito bombardeio americano a tropas leais ao ditador Bashar Al-Assad cria uma certeza e duas grandes interrogações: mostram que Donald Trump mudou de postura e isso pode gerar ganhos internos nos EUA para o republicano, mas ao mesmo tempo serve como um teste sobre a relação com os russos e tende a levar os Estados Unidos ao caminho pantanoso de uma guerra civil complexa e com poderosas forças longe de um acordo.
Nove fatos sobre o gás sarin: a substância letal usada para matar crianças na Síria
Leia a matéria completaAté democratas passaram a pedir uma ação mais enérgica do governo americano contra a Síria depois do ataque químico que chocou o mundo. Assim, Trump aparece como um líder forte, que não se dobra e que resolveu encarar o problema de frente, gerando crítica indireta a Barack Obama, antecessor que teve na escalada da guerra síria e na crise dos refugiados um dos maiores borrões em seu período na Casa Branca.
O republicano deve surfar na onda e usar este bombardeio para tentar com que seus eleitores esqueçam que ele não conseguiu uma de suas promessas: revogar e substituir o Obamacare, mesmo com maioria legislativa.
Briga com Moscou?
O ataque de Trump à Síria manda um aviso nada sutil aos rivais dos EUA
Leia a matéria completaMas os maiores desafios estão na área militar. Há uma semana o governo Trump mostrava um descaso em relação a Assad que aproximava Washington do Kremlin, maior defensor do ditador. Ao atacar a base síria, Trump pode estar comprando uma briga com Vladimir Putin.
O fato do Pentágono ter avisado Moscou previamente do ataque ainda demonstra uma preocupação com os russos. Eles também estão mudando de posição? Se sim, porque Putin daria os créditos da ação a Trump? Ou, conforme a reação oficial da nota oficial, os russos criticando os EUA é verdadeiro e as duas potências estão em rota de colisão?
Impacto na mídia
Por fim, se um bombardeio deste tem impacto midiático — outra fascinação do presidente americano —, exige uma série de próximos passos para os quais os EUA não demonstram estar prontos. Além acabar com a premissa de que os Estados Unidos não querem mais o país em guerras que resultem em baixas humanas, o bombardeio reembaralha o peso relativo dos atores no conflito russo, de curdos a iranianos, de franceses a sauditas.
Um acordo sobre o futuro da região parece ter ficado ainda mais distante. E, caso isso venha a ocorrer, será necessário estabilizar a Síria, com uma ação militar de solo semelhante a do Iraque, com grandes perdas. Trump pensou nisso e tem estratégia ou foi mais uma decisão impensada?
Ainda é cedo para medir o real impacto dos mísseis americanos, mas o episódio serve pra demonstrar que, se até então o governo republicano viveu de polêmicas mais previsíveis , decidiu agora abraçar de vez a tendência militar e entrar em um terreno novo, sepultando definitivamente os anos Obama, onde os EUA deixaram de ser temidos para serem admirados, onde o multilateralismo era a regra no lugar do unilateralismo. Ao que tudo indica, o tempo do medo voltou para ficar.
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
Quem são os indiciados pela Polícia Federal por tentativa de golpe de Estado
Bolsonaro indiciado, a Operação Contragolpe e o debate da anistia; ouça o podcast
Seis problemas jurídicos da operação “Contragolpe”