Após o ataque com armas químicas que deixou 86 civis mortos na cidade de Khan Sheikhoun (norte da Síria), sendo pelo menos 30 crianças, a resposta dos Estados Unidos foi imediata. Donald Trump, que no passado havia defendido o não envolvimento americano no conflito sírio, declarou que seu governo não podia mais ficar imóvel: “até mesmo lindos bebês foram cruelmente assassinados neste ataque bárbaro”, disse Trump. Na madrugada desta sexta-feira (noite de quinta, no Brasil), os americanos dispararam 59 mísseis contra a base aérea de Al Shayrat, na província central de Homs, alegando que tinham como objetivo enfraquecer o poderio militar de Al-Assad.
Enfrentando índices de rejeição recordes e oposição tanto de democratas quanto dentro do próprio partido republicano, Trump acaba de ordenar a ação militar mais importante em seus menos de três meses de governo. E também lança dúvidas: terá sido apenas por razões humanitárias que os Estados Unidos decidiram intervir na Síria? Analistas e políticos ao redor do mundo debatem o que mais o criticado presidente americano teria a ganhar com a escalada do conflito bélico.
Mandar um recado aos adversários
Há anos os Estados Unidos têm buscado evitar a proliferação de armas de destruição em massa em nações consideradas hostis. A Guerra do Iraque foi iniciada em 2003 sob o pretexto de que Saddam Hussein possuía armamentos do tipo – alegação que, depois se descobriu, não era verdadeira. Nos últimos anos, os maiores desacordos têm sido em relação aos projetos de Irã e Coreia do Norte para desenvolver seus próprios armamentos nucleares.
A Síria não tem um arsenal nuclear, mas a resposta rápida ao suposto uso de armas químicas por parte de Al-Assad manda um sinal claro a outros países que não estariam dispostos a aceitar as condições norte-americanas. “Isso nos coloca no caminho para restaurar a credibilidade americana”, declarou Andrew Tabler, do Instituto Washington para Políticas do Oriente Próximo. “É por isso que se trata mais do que apenas da Síria. É sobre não-proliferação. É sobre várias coisas”, afirmou o especialista.
O ataque de Trump à Síria manda um aviso nada sutil aos rivais dos EUA
Leia a matéria completaO ataque também entra em choque direto com os interesses da Rússia na região – militares russos vinham trabalhando em cooperação com Al-Assad para combater os rebeldes sírios e, durante a semana, negaram que o regime local tivesse sido responsável pelo uso de armas químicas.
Além disso, o timing do bombardeio também colocou a China em uma posição delicada: Trump ordenou o ataque pouco antes de se reunir com o presidente chinês, Xi Jinping, no que alguns analistas entendem como uma tentativa de mostrar que o país asiático apoiou sua decisão, pressionando por tabela os norte-coreanos. No extremo oriente, a China é a principal apoiadora do regime de Kim Jong-un e seus projetos nucleares.
“False flag”: um ataque fabricado para colocar os EUA contra o governo Sírio
Operações de bandeira falsa (“false flag”, em inglês) têm sido usadas ao longo da história para dar pretextos para conflitos bélicos: quando um governo ou um grupo organiza um ataque às escondidas para atribuir a culpa a um terceiro envolvido. O conflito da Síria, afinal, estende-se já há seis anos: por que Al-Assad usaria armas químicas neste momento? Em 2012, Barack Obama já havia ameaçado invadir o país por razões parecidas, mas acabou negociando com o regime sírio a retirada ou destruição do arsenal químico mantido por Bashar Al-Assad.
Muitos suspeitam que o ataque desta semana poderia ter sido forjado pelos rebeldes para colocar os Estados Unidos contra o regime ou, numa versão mais conspiratória, ter sido resultado de uma operação secreta dos próprios americanos para poderem justificar um envolvimento mais ativo na região. Em 2014, o jornalista investigativo Seymour Hersh (conhecido por ter revelado como militares americanos torturavam prisioneiros em Abu Ghraib, no Iraque) havia denunciado que os rebeldes sírios tinham acesso ao gás sarin, poderoso agente neurológico suspeito de ter sido usado no ataque. Hersh também acusou a espionagem americana de estar secretamente transferindo o gás obtido na Líbia para as mãos dos grupos que lutavam contra Al-Assad.
Nove fatos sobre o gás sarin: a substância letal usada para matar crianças na Síria
Leia a matéria completaPara Günther Meyer, diretor do Centro de Pesquisas para o Mundo Árabe na Universidade Johannes Gutenberg, da Alemanha: “só os grupos armados de oposição teriam algo a ganhar com um ataque com armas químicas”, disse em entrevista à agência pública alemã Deutsche Welle. Como o bombardeio desta sexta-feira se destinou contra bases militares do governo sírio, o enfraquecimento bélico de Al-Assad naturalmente ajudaria seus opositores.
No passado, Donald Trump criticou constantemente as tentativas de Obama de intervir de forma mais direta na Síria, dizendo que os EUA não precisavam de mais um conflito no Oriente Médio – postura que agora caiu por terra. Isso levou alguns apoiadores de Trump a levantar a suspeita de que o uso de armas químicas em Khan Sheikhoun ter sido operado pela própria Inteligência americana, sem o conhecimento do presidente. O escritor Mike Cernovich, um dos mais ativos apoiadores de Trump nas redes sociais, defendeu a ideia de que não fazia sentido Al-Assad atacar os próprios sírios neste momento, e que o ataque seria culpa de “agentes do Estado”.
Reverter a popularidade em queda
Donald Trump tem os piores índices de aprovação da história americana para um presidente recém-eleito: após pouco mais de dois meses de governo, apenas 35% dos americanos apoiavam seu governo. Barack Obama, na mesma época de seu primeiro mandato, tinha 63% de aprovação. Guerras contra um inimigo claro costumam ter o efeito de unir a nação e, de quebra, criar uma imagem “forte” do presidente. Isso se reflete nas pesquisas: George W. Bush, que presidiu o país entre 2001 e 2009, teve seus índices de aprovação mais altos ao anunciar a invasão ao Afeganistão, após os ataques de 11 de setembro.
O argumento humanitário por trás dos mísseis dessa sexta-feira pode ter um efeito semelhante para recuperar a imagem de Trump. Embora ainda não tenham sido divulgadas novas pesquisas de opinião sobre o apoio ao governo desde o bombardeio, alguns políticos que vinham criticando o presidente passaram a elogiar sua celeridade em responder ao crime humanitário atribuído a Al-Assad.
Anthony Blinken, ex-assessor de Obama, escreveu ao New York Times: “Donald Trump está certo de responder o regime de Al-Assad por usar armas de destruição em massa contra o seu próprio povo”. Blinken ainda acrescentou: “quando a tirania viola claramente uma norma básica da conduta internacional – neste caso, a proibição ao uso de armas químicas ou biológicas em conflitos armados, seguida desde a Primeira Guerra Mundial – o mundo espera que a América aja. Trump agiu, e por isso deve ser elogiado”.
Entre os Republicanos, os dois senadores mais críticos a Trump – John McCain e Lindsey Graham – divulgaram uma nota conjunta, exaltando a decisão do presidente em atacar Al-Assad e criticando Obama por não ter agido antes: “diferentemente do governo anterior, o presidente Trump confrontou um momento crucial na Síria e tomou uma atitude”.
Estímulo à indústria bélica
Um dos pontos fundamentais da campanha de Trump era aumentar o orçamento de Defesa – tanto com investimentos na área militar, para atuar fora do país, quanto no controle de fronteiras, incluindo o polêmico projeto do muro na divisa com o México.
Os gastos militares dos Estados Unidos já são próximos dos 600 bilhões de dólares anuais – no ranking mundial, os americanos lideram com folga, investindo mais na área militar do que os sete países seguintes juntos. Por isso, muitos políticos e especialistas criticaram a proposta orçamentária que Trump apresentou para 2018, aumentando os gastos militares em 54 bilhões de dólares e cortando de áreas como meio ambiente, agricultura, saúde e educação.
Depois que os Estados Unidos reduziram sua participação no Iraque, o envolvimento em uma nova guerra poderia fortalecer o argumento de Trump sobre a necessidade de aumentar o orçamento militar. Com isso, também daria o estímulo que a indústria bélica aguardava desde a derrota de Hillary Clinton: “a vitória de Trump assinala que o impasse dos aumentos em gastos de defesa logo vai desaparecer, sendo substituído por uma ansiedade para reconstruir o aparato militar”, escreveu o especialista em segurança nacional Loren Thompson à Forbes, pouco após as eleições em novembro do ano passado.
Distração
Donald Trump tem encontrado críticas e resistências nas mais diversas frentes. Seu projeto para derrubar o plano de saúde nacional instituído no governo anterior (conhecido como “Obamacare”) fracassou, tendo encontrado resistência até entre os políticos republicanos. Nesta semana, a nomeação de um novo ministro para a Suprema Corte (o equivalente ao nosso STF), Neil Gorscuch, encontrou oposição tão grande no Senado que foi preciso apelar para uma histórica mudança de regras: antes, eram necessários 60 votos dos 100 possíveis para escolher um novo juiz federal; agora, basta a maioria simples de 51.
A semana de Trump também foi conturbada pelo anúncio de que a geração de empregos está perdendo força no país – em março, foram abertas 98 mil novas vagas, contra uma previsão de 180 mil. Outro tema que abalou o governo foi a impressão de que o presidente não se entende com seus assessores, após Trump afastar o estrategista-chefe da Casa Branca, Steve Bannon, do Conselho de Segurança Nacional na última quarta-feira.
O uso de armas químicas na Síria e a rápida resposta dos EUA fizeram esses temas perderem espaço no noticiário americano, gerando uma distração útil às críticas que Trump tem enfrentado.
Jogo de cena? Trump finalmente se opõe à Rússia
Os últimos dias também foram de crise na Casa Branca pelas denúncias cada vez mais numerosas de que Donald Trump contou com apoio secreto da Rússia para vencer as eleições do ano passado. Até mesmo assessores próximos do presidente, como o ex-conselheiro militar Mike Flynn, vieram a público prometendo revelar o que sabiam sobre os laços russos de Trump. Durante os debates de campanha, Hillary Clinton chegou a acusar seu oponente de ser um “fantoche” de Vladimir Putin – e o próprio Trump elogiou o presidente da Rússia em mais de uma ocasião.
A decisão de atacar a Síria é a primeira vez que Trump se opõe claramente aos russos, que vinham apoiando o regime de Al-Assad. De fato, após o uso de armas químicas nesta semana, Moscou afirmou que o incidente havia sido causado não por uma ação deliberada do regime sírio, e sim por um vazamento de depósitos de gás sarin mantidos pelos rebeldes. Esse argumento não teria convencido os americanos, que optaram por levar a cabo o bombardeio desta sexta-feira.
Ataque de Trump acaba com a impressão de que ele era amigo de Putin
Leia a matéria completaO ataque à base de Al Shayrat foi criticado pelos russos como uma “violação à soberania nacional” síria, que também consideraram a ação militar americana como “irresponsável” e “imprudente”. Após os mísseis serem disparados, a Rússia reagiu suspendendo o acordo que prevenia conflitos com tropas americanas, e aumentou o controle sobre o espaço aéreo sírio.
É a primeira vez que Trump e Putin manifestam hostilidade publicamente. Jogo de cena ou uma mudança real nas posturas da Casa Branca em relação ao Kremlin, essa é uma questão que deverá ser respondida nos próximos dias.
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