Quando Franklin Delano Roosevelt, presidente dos Estados Unidos, cunhou a expressão "Nações Unidas", no final da década de 30, ele imaginava a criação de um órgão mundial que pudesse evitar novas atrocidades como as que ocorreram na Segunda Guerra Mundial. Sessenta e cinco anos depois da criação da ONU, esse objetivo está longe de ser plenamente alcançado, mas a assinatura, por diversos países, de uma carta reconhecendo a questão dos direitos humanos permitiu avanços rumo ao que foi pensado por Roosevelt.
No Brasil, especialmente no último ano, a temática dos direitos humanos ganhou destaque e se tornou um emblema na disputa presidencial, a ponto de algumas pessoas considerarem-na um mal. Mas, afinal, o que são direitos humanos?
Diversos filósofos e juristas se debruçaram sobre esta indagação em toda a história. Direitos humanos representam a garantia de que todos são iguais e poderão viver em condições dignas. Isso significa ter acesso à saúde, educação, moradia, renda e todos os outros direitos que garantem a dignidade da pessoa humana, inclusive o de viver em uma sociedade sem violência. Tais preceitos reforçam a premissa de que todos têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião.
Mesmo com todos os problemas que atingem as Nações Unidas, sua história se confunde com a dos direitos humanos no último século. Em 1948, a ONU deu o primeiro passo para disseminar esse conceito em todo o mundo. Foi assinada em Paris a Declaração Universal dos Direitos Humanos, primeiro documento do gênero ratificado, inicialmente, por 48 países. Já existiam documentos semelhantes, mas nenhum havia sido uma unanimidade.
Segundo o diretor do Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio), Giancarlo Summa, a declaração ampliou a concepção existente na época. Não se falaria mais somente em direitos políticos e civis, mas em direitos econômicos, sociais e culturais, para garantir que todo ser humano pudesse ter uma condição de vida decente. "Isso faz com que a ONU tenha como objetivos fundamentais, por um lado, garantir a segurança internacional, e, por outro, favorecer o progresso de toda a humanidade."
A ideia do ex-presidente americano era que houvesse uma instituição capaz de resolver conflitos antes que eles se transformassem em disputas armadas. Para Summa, de certa forma esse objetivo foi alcançado, já que depois da criação da instituição não houve mais nenhuma guerra mundial. "Os conflitos permanecem, mas os embates militares são localizados e, em muitos casos, internos", explica.
Além da Declaração Universal, a ONU também tem um papel importante ao elaborar convenções e tratados sobre direitos humanos. As convenções, por exemplo, quando assinadas por um país, passam a ter valor de lei. Há legislações de combate à tortura, discriminação da mulher e racial, direitos da criança, prisioneiros de guerra e refugiados.
Cenário brasileiro
O Brasil ainda tem muito o que avançar no cenário dos direitos humanos. Mesmo com as conquistas garantidas pelos dois últimos governos, o país é reconhecido internacionalmente como um violador, sendo julgado por instituições como a Corte Interamericana de Direitos Humanos e pela própria ONU. Há hoje mais de 150 recomendações do órgão, muitas ainda deixadas de lado pelo governo. Entre as recentes estão recomendações para o fim de execuções sumárias cometidas pela polícia. Das 33, foram ignoradas 22.
O que os defensores de direitos humanos pleiteiam, incluindo a ONU, é que quem cometeu um crime deve responder por seus atos, mas para isso é necessário acesso à defesa e um julgamento isento. Há reivindicação por melhores condições nas prisões, fim da tortura e violência. "O Brasil é um país muito desigual. Temos uma agenda de demandas com 500 anos que não foi contemplada", argumenta a coordenadora da organização Justiça Global, localizada no Rio, Andressa Caldas, que trabalha auxiliando pessoas que tiveram direitos violados. "A sociedade tem uma visão distorcida do que são direitos humanos e há jargões herdados dos períodos ditatoriais, como o de "defensor de bandido", diz.
ONGs reforçam luta por garantias
Em todo o mundo as organizações não governamentais adquiriram um papel de alta importância na garantia dos direitos humanos. A ONG Conectas, por exemplo, surgiu no Brasil e trabalha desde 2001 com a promoção de direitos em diversos países do Hemisfério Sul. "Queremos fortalecer o Estado democrático e o diálogo entre as organizações", diz a coordenadora do programa de justiça da entidade, Júlia Neiva. No país, uma das maiores demandas é a redução da violência no sistema carcerário e a diminuição do número de pessoas privadas de liberdade. "Nossa perspectiva para o futuro é positiva, mas as mudanças não virão na velocidade que gostaríamos. As transformações devem ser estruturais e isso ainda não é debatido", diz.
No Brasil há milhares de instituições que trabalham para que a população não tenha direitos violados. Um dos exemplos é Grupo Tortura Nunca Mais, do Rio de Janeiro. A vice-presidente da organização, Victoria Grabois, teve o pai, Maurício Grabois, o irmão, André, e o marido, Gilberto Olímpio, mortos durante a ditadura, na guerrilha do Araguaia. Até hoje os corpos dos três não foram localizados. À frente da ONG ela luta para que os arquivos militares sejam abertos e as famílias possam saber o que ocorreu. Desde a década de 90 eles também trabalham prestando auxílio psicológico a mães que tiveram seus filhos mortos por policiais. Em função das mortes ocorridas no Araguaia, o governo brasileiro está sendo julgado na Organização dos Estados Americanos (OEA).
No Paraná, o Instituto de Defesa dos Diretos Humanos (Iddeha) trabalha há 15 anos nesta área. Os profissionais do instituto já firmaram parcerias com diversos organismos internacionais, como a Anistia Internacional e a ONU. Hoje há uma gama de serviços ofertados pela ONG, desde a formação de líderes comunitários até educação e meios de comunicação.
Um dos principais projetos é o Centro de Referência em Direitos Humanos, que oferta auxílio jurídico e psicossocial para pessoas cujos direitos fundamentais tenham sido violados. É o caso dos moradores do Jardim Itaqui, em São José dos Pinhais. Eles lutam pela regularização fundiária do local e contam com o atendimento dos advogados do Iddeha. "Estamos presenciando um novo tipo de democracia. Estados e governos não deram conta de solucionar as desigualdades e mostramos que há outras formas de participação política além do voto", conta Paulo Pedron, idealizador e coordenador da iniciativa.
Já a ONG paranaense Terra de Direitos trabalha com foco na luta de movimentos sociais e populares, ajudando a combater a criminalização e perseguição desses grupos. A entidade está articulada com diversas entidades nacionais e internacionais e tem representantes em Santarém (PA) e Recife (PE). Uma das atividades é desenvolver ações com o judiciário, para facilitar o acesso à justiça. "Houve avanço na incorporação dos direitos humanos nas politicas públicas. Setores que nunca debatiam essa temática como se fossem suas lutas também passaram a fazê-lo. Mas ainda há muito preconceito, revelado principalmente nesta última eleição", afirma o coordenador da Terra de Direitos, Darci Frigo.