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A ONU custa US$ 30 bilhões ao ano. Confira no gráfico quanto é a contribuição de cada país |
A ONU custa US$ 30 bilhões ao ano. Confira no gráfico quanto é a contribuição de cada país| Foto:

Dois pesos

Diversos casos ocorridos nas últimas duas décadas indicam que o funcionamento da ONU está comprometido pela representação desigual dos países e perda de legitimidade e coerência dentro do Conselho de Segurança (CS):

Invasão do Iraque

- Apesar de o Conselho de Segurança da ONU ter recusado passar uma autorização expressa à invasão ao Iraque em março de 2003 como combate ao terrorismo, EUA, Reino Unido e Austrália foram à guerra e se valeram de resolução votada em 1990, que justificou a primeira guerra ao país, somada à resolução 1441, de novembro de 2002, que apena concedia ao Iraque uma "última oportunidade de cumprir suas obrigações de desarmamento". Foi uma das maiores perdas de legitimidade que o CS já sofreu.

Bombardeios

- Em alguns casos, o Conselho de Segurança finca o pé e nega o envio de tropas das Nações Unidas para resolver problemas internos dos países, como foi o caso do genocídio em Ruanda, em 1994. Já em outros conflitos apresenta uma intervenção considerada até fora de sua alçada, como ocorreu em 1993 na ex-Iugoslávia, quando a ONU, constrangida ante os massacres registrados em suas supostas "zonas de segurança", bombardeou armas e linhas de abastecimento sérvias na Bósnia. O mesmo ocorreu em 1999, no Kosovo, em Montenegro e na Sérvia, como forma de garantir a segurança de forças de paz. Questionado, o CS afirmou que a autorização para os ataques aéreos estava "implícita" na afirmação de que era preciso garantir a passagem da missão de paz.

Pouca representação

- Apesar de cada país ter direito a um voto igualitário dentro da Assembleia Geral da ONU, seria ingênuo supor que os posicionamentos de cada país se dão livremente. Nos bastidores existe lobby entre países mais pobres para que seus representantes apoiem determinadas decisões. Um caso assim ocorreu dentro da OPCW, a agência de desarmamento, em 2002, quando o brasileiro José Maurício Bustani era diretor-geral. Após assumir a bandeira de atrair o Iraque para o rol de membros, ele passou a sofrer campanha contra sua gestão, e foi retirado do cargo em votação geral após pressão dos EUA, que chegaram a pagar dívidas de países como o Gabão para que pudessem votar.

A busca por direitos humanos

Quando Franklin Delano Ro­­o­sevelt, presidente dos Estados Uni­­dos, cunhou a expressão "Na­­ções Unidas", no final da dé­­cada de 30, ele imaginava a criação de um órgão mundial que pudesse evitar novas atrocidades como as que ocorreram na Segunda Guerra Mun­­­­dial.

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Se a Organização das Nações Uni­­das (ONU) fosse um prédio, seria necessária a autorização de 192 condôminos para qualquer reforma. É essa dimensão coletiva que torna tão difícil levar a cabo as atualizações necessárias ao organismo, após 65 anos de sua criação, completados hoje.

As reformas apontadas como necessárias vão além do conhecido pleito por novas vagas permanentes no Con­­se­­lho de Segurança (CS, formado por EUA, Inglaterra, França, Rússia e China), órgão responsável por autorizar o uso da força de um Estado contra outro. Brasil, Alemanha, Índia e Japão uniram forças no chamado "G4" para reivindicar seu espaço, por enquanto sem avanço. Segundo os analistas, a reforma precisaria mexer em estruturas mais profundas: aumentar a mesa da "diretoria" não iria resolver falhas de atuação percebidas hoje.

A perda de legitimidade é vista pelo professor de Direito Internacional da Universidade Positivo Rui Carlo Dissenha como o principal problema da atuação recente do CS. O caso mais emblemático ocorreu no fim de 2002, quando os EUA pressionaram pela autorização à invasão ao Iraque, sob o argumento de que o país manteria armas secretas de destruição em massa. Ela não foi concedida e a guerra começou mesmo assim, tendo por justificativas juridicamente frágeis decisões anteriores.

"Foi uma pancada violenta, porque o órgão simplesmente não foi respeitado", observa Dissenha. O silêncio posterior foi constrangedor. "Para as Nações Unidas cumprirem com seu papel, deveriam ter condenado a invasão e processado as atividades criminais do governo americano", diz o professor da Escola de Jornalismo da Uni­­versidade do Texas em Austin Robert Jensen.

Uma reforma ampla do CS é defendida desde o fim dos anos 60. Fontes diplomáticas asseguram que a entrada para o "clube" G4 foi um tiro no pé do Brasil, porque a China jamais aceitará a entrada do rival Japão.

Outra discussão é sobre a coerência de uma reforma no CS que não contemple o fim do poder de veto que hoje os países membros detêm. "Para que funcionasse melhor, seria mais interessante que ele caísse. Mas esse pleito in­­viabilizaria a reforma, porque os cinco atuais membros não aceitam perder esse poder", avalia o coordenador de Relações Inter­­nacionais do UniCuritiba, Juliano Cortinhas.

Outra avaliação frequente é a de que, escrita no pós-guerra para recolocar o mundo em ordem e garantir a paz, hoje a Carta da ONU deveria priorizar o desenvolvimento e o fim da fome. Na prática, é o que a organização tenta fa­­zer com as metas do milênio, lista de melhorias assumidas por países para cumprimento até 2015.

O novo foco desloca a atenção das agressões de um Estado contra outro para questões internas aos países. "A reconstrução de infraestruturas, reorganização de sistemas judiciários, direitos humanos, auxílio humanitário, reorganização dos exércitos e força policial" são hoje levados em conta pa­­ra a manutenção da própria segurança internacional, avalia a coordenadora de Ciência Política e Relações Interna­­cio­nais da Facin­­ter Karla Gobbo.

Outro fator que vem causando perda de relevância às Nações Uni­­das, de acordo com analistas ouvidos pela Gazeta do Povo, é a influência política dos membros mais poderosos sobre as decisões. Isso se reflete na própria representação dos países da ONU. Em tese, o modelo é democrático, já que cada país tem direito a um voto na As­­sembleia Geral. Na prática, "quando determinado país precisa aprovar algo de seu interesse, ele faz lobby e países mais pobres acabam trocando seu voto pelo que é economicamente ou politicamente melhor", avalia Dissenha (leia mais ao lado).

Bom começo

A própria ONU reconhece necessidades de mudança e tem até um site sobre isso (www.un.org/reform). Os mais otimistas apontam mudanças positivas que já ocorreram. A principal seria o novo Conselho de Direitos Hu­­manos, criado em 2006, que instituiu a revisão periódica temática de to­­dos os países integrantes – por exemplo, avaliando a situação das mulheres na Re­­pú­­blica Democrá­­tica do Congo e na Suíça.

A advogada especialista em direitos humanos Chrystiane Paul cita ainda a ampliação da capacidade diplomática para prevenir novos conflitos e realizar a mediação daqueles já existentes.

"A reforma da ONU foi iniciada em 1995 no secretariado de Boutros Boutros-Ghali, e precisa ter continuidade", ela avalia. Para isso, basta convencer os 192 condôminos – de preferência, sem pressão política sobre os países mais pobres.

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