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A doutora Zilda era in­­can­­sá­­vel. Quando não estava via­­jando do Oia­poque ao Chuí, passa­­va o dia em reu­­niões. À noite voltava para o lugar de que mais gostava: sua chá­­cara em Campo Largo.

Mãezinha. Era assim que os líderes comunitários da Pastoral da Criança chamavam carinhosamente a dra. Zilda. Lembro que quando comecei a acompanhá-la como assessora de imprensa nas visitas às dioceses de todo o país, me es­­pantava com as centenas de pessoas que chegavam de vários municípios vizinhos para recebê-la com cânticos, presentes, bolos, cartinhas escritas à mão e abraços. Em seguida, a dra. Zilda fazia um discurso afetuoso em que de­­monstrava o valor inestimável do trabalho de cada um daqueles voluntários.

A dra. Zilda era incansável. Quando não estava viajando do Oiapoque ao Chuí, passava o dia em reuniões no escritório da Pas­­toral da Criança, onde ainda era presidente, e à noite voltava para o lugar de que mais gostava: sua chácara em Campo Largo, onde ficava ao lado dos netos. No tempo em que ainda era preciso bater nas portas para conseguir convênios que dessem sustentação ao trabalho da pastoral, ela passava horas sentada nas antessalas dos gabinetes e não arredava o pé dali enquanto não fosse atendida.

Anos mais tarde, todos os em­­presários e governos queriam ajudar a Pastoral da Criança, cientes da eficácia da metodologia desenvolvida pela dra. Zilda para combater a mortalidade e a desnutrição infantil. Na campanha eleitoral de 2002, passaram pela sede da pastoral, no bairro curitibano das Mercês, Lula, Ser­­ra, Garotinho e os principais candidatos ao governo do Para­­ná, para assinar cartas em que se comprometiam, caso fossem eleitos, a ajudar a entidade em suas metas de reduzir a desigualdade social.

Acompanhá-la em suas inúmeras viagens exigia certo preparo físico. E nunca se chegava ileso ao hotel, lá pelas 10, 11 ho­­ras da noite. Afinal, mais do que conhecer lugares, conheciam-se pessoas e realidades infindáveis. Era um grande aprendizado ver o belo trabalho de homens e mu­­lheres, em sua grande maioria, que esqueciam os seus próprios sofrimentos de tão envolvidos que estavam.

Lembro que, no retorno a Curi­­tiba, ela sempre me perguntava: "Foi bom, não foi? Os líderes pareciam muito animados". E concluía: "Missão cumprida". As horas de espera no aeroporto costumavam ser os momentos em que ela contava os "causos" que vivenciou ao longo de quase 30 anos de pastoral. Eu particularmente adorava uma piadinha que ela contava para animar as lideranças: "Se você for atravessar um campo e vir um touro raivoso, fuja em zigue-zague, porque o touro só enxerga o que está à sua frente. Mas, se for uma vaca, suba na primeira árvore que encontrar porque ela enxerga dos lados", dizia, referindo-se à capacidade feminina de trabalhar, cuidar dos filhos, do marido, da casa e ainda ter tempo para ajudar os outros.

No Haiti, onde estava participando da Conferência dos Reli­­giosos daquele país e motivando líderes e voluntários locais, gestantes e famílias, a dra. Zilda morreu cumprindo sua missão. Nun­­ca consegui imaginar esta enérgica senhora terminando seus dias em casa, aposentada, cuidando do jardim e dos netinhos, embora ela adorasse cumprir esse papel nas horas vagas. Aos 75 anos, nunca esmoreceu em sua determinação de ampliar a já imensa rede de so­­lidariedade humana que formou em prol do lema da Pastoral, retirado da Bíblia: "Eu vim para que todos tenham vida, e a tenham em abundância" (Jo 10,10).

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Annalice Del Vecchio é repórter do Caderno G da Gazeta do Povo e foi assessora de imprensa da Pastoral da Criança por quatro anos.

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