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Gazeta do Povo – Como a senhora analisa o legado de Fidel Castro?Sabrina Evangelista – A maior relevância de Fidel Castro hoje é a permanência de um Estado que se auto-intitula comunista, balizado em três comandos de estado fundamentais. Os três pilares são as Forças Armadas, o governo e o partido. O poder tripartite centrado em Fidel e não no modelo clássico centrado nos três poderes: Executivo, Judiciário e Legislativo. A Revolução Cubana foi bastante independente no cenário da Guerra Fria. Só ganhou reconhecimento do partido comunista soviético dois anos depois.

Qual deve ser o futuro da ilha sem o seu líder?A expectativa da morte de Fidel Castro é anterior ao que está se vendo hoje. A própria CIA desenhou cenários possíveis com a morte de Fidel. Nos últimos anos, eles previam duas vias: Fidel morre e deixa como sucessor o Raúl Castro ou Raúl morre antes. O primeiro cenário é o mais provável. Se Raúl morresse antes, a morte de Fidel teria mais impacto. Especialistas dizem que o aviso da morte de Fidel jamais vai ser dado antes da ocupação das ruas. Não se vai deixar os conflitos populares tomarem conta das ruas antes de se ter o controle da situação. Ou seja, não irão avisar que Fidel morreu. Não há imprensa livre e as informações são sigilosas.

Como a população vê Fidel?Nas ruas, se sente que as pessoas pobres têm grande admiração pela figura jesuítica de Fidel, mas a maior parte delas quer mudança de vida. A juventude é majoritariamente contra o Fidel. Pessoas acima de 50 anos tendem a apoiar o governo pelas conquistas heróicas dele e pelas garantias de insumos básicos. A juventude quer mais coisas do estado. A cesta básica não cumpre as exigências dos jovens, que não querem mais o regime só para não morrer de fome. A prostituição feminina é absurdamente alta e representa a grande chance de se casarem e saírem do país. Boa parte dos jovens se dedica às escolas de turismo, que permite a eles estágios no exterior. Todos pensam nessa vida fora de Cuba.

Raúl Castro terá legitimidade para liderar?Não é tão simples assim e a democratização não irá romper da morte de Fidel. É constestável se Raúl terá legitimidade política suficiente para se manter no poder. A dúvida é se o governo do EUA ficará primeiro como observador, ou se vai criar proposta de intervenção. Os EUA não podem ter qualquer relação diplomática com Cuba, segundo a legislação de embargo norte-americana, sem que esteja estabelecida a democracia completa no país. Pode haver um cenário de estabilidade relativa quando Raúl assumir. Ele pode contornar os movimentos anti-castristas, mas progressivamente pode perder legitimidade e essas lideranças podem acabar criando um campo para que a democracia seja reestabelecida.

O que Fidel representa hoje para os EUA? A maior preocupação na América Latina será Hugo Chávez?Hoje Fidel não é a maior preocupação dos EUA. Os lastros de Cuba na América Latina são muito pequenos, enquantos os chavistas são maiores, especialmente no concatenamento das esquerdas sul-americanas e no boicote aos Tratados de Livre-Comércio com os EUA. Chávez e Evo Morales são uma força de oposição muito mais forte do que Fidel Castro.

O que sustentou a estabilidade de Fidel por tantas décadas?A sustentabilidade do regime se deu com o apoio soviético após o estabelecimento da revolução. A figura notória popular de Fidel, a submissão da população ao regime, ao controle efetivo, o fato de Cuba ser uma ilha (o que propicia o isolamento), a impossibilidade da guerra por terra. Não creio que, nos últimos 20 anos, fosse interessante para o governo dos EUA criar uma intervenção militar. Houve também uma paciência em relação à morte de Fidel Castro, tendo em vista que eles (os EUA) acreditam que a democratização será inevitável e que a oposição vai vencer quaisquer fontes de substituição de Fidel no partido comunista. Não teria sido possível a legitimidade dessa ditadura, de não liberdade, se não fossem também as condições econômicas que fizeram com que este regime sobrevivesse. (KC)

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