As convocações de protestos pela Irmandade Muçulmana do Egito não conseguiram se materializar nesta sexta-feira (23), depois da sangrenta repressão militar contra os seguidores do presidente deposto Mohamed Mursi.
Soldados e policiais tomaram medidas de segurança relativamente discretas antes das marchas da "Sexta-feira dos Mártires", que deveriam ter partido de 28 mesquitas na capital depois das orações de sexta-feira.
Mas as orações do meio-dia foram canceladas em algumas mesquitas e havia poucos indícios de que grandes manifestações no Cairo, apesar de testemunhas terem afirmado que ao menos 1.000 pessoas participaram de um protesto no bairro de Mohandiseen.
Não havia relatos de violência nesse local, mas a Irmandade postou em seu site que uma pessoa foi morta em confrontos com forças de segurança na cidade de Tanta, no delta do Nilo,.
"Não temos medo; é a vitória ou a morte", disse Mohamed Abdel Azim, um engenheiro aposentado que estava entre as cerca de 100 pessoas que saíam lentamente de uma mesquita perto da Universidade do Cairo.
"Eles pretendem atacar os muçulmanos", disse Azim. "Nós preferimos morrer com dignidade a viver na opressão. Continuaremos saindo até que não tenha sobrado ninguém", disse.
Alguns manifestantes carregavam pôsteres de Mursi, que foi derrubado pelo general Abdel Fattah al-Sisi, o chefe das forças armadas, em 3 de julho, depois de manifestações gigantescas contra seu governo. "Não ao golpe", gritavam.
O Egito vive a agitação civil mais sangrenta de sua história moderna desde 14 de agosto, quando a polícia destruiu acampamentos de manifestantes erguidos pelos partidários de Mursi no Cairo para exigir sua volta ao poder.
A violência alarmou os aliados ocidentais do Egito, mas o presidente norte-americano, Barack Obama, reconheceu que mesmo a decisão de cortar a ajuda dos EUA para o Cairo poderia não influenciar seus líderes militares.
Alguns parlamentares norte-americanos pediram a suspensão dos 1,5 bilhão de dólares por ano em ajuda, na maior parte militar, ao Egito.
"A ajuda sozinha pode não reverter o que o governo interino faz", disse Obama em uma entrevista para a CNN. "Mas acho que o que a maioria dos americanos diria é que temos que ser bem cautelosos em sermos vistos como cúmplices de ações que são contrárias aos nossos valores e nossos ideais", afirmou.
Ele disse que os Estados Unidos estavam reavaliando seus laços com o Egito. "Não há dúvida de que não podemos voltar aos negócios de sempre, dado o que aconteceu."
Os Estados Unidos vinham promovendo uma aliança com o Egito desde que o país norte-africano assinou um tratado de paz com Israel em 1979. A cooperação militar inclui acesso norte-americano privilegiado ao Canal de Suez.
A Irmandade, acossada pelos novos governantes do Egito apoiados pelas Forças Armadas, pediu manifestações em todo o país contra a repressão, testando a resiliência de sua castigada base de apoio.
Algumas dezenas de islâmicos, a maioria mulheres, marcharam em um antigo bairro do Cairo. Algumas levavam bandeiras egípcias ou pôsteres de Mursi. Outras seguravam guarda-chuvas para se proteger do sol da tarde.
Questionada se tinha medo, uma professora de berçário coberta por véu com quatro crianças, que disse se chamar apenas Nasra, falou: "Deus nos tornará vitoriosos mesmo se muitos de nós forem feridos e mesmo se isso levar muito tempo. Se Deus quiser, Deus derrubará Sisi."
Na semana passada, o governo provisório empossado pelos militares declarou estado de emergência durante um mês, incluindo um toque de recolher noturno. A agência estatal de notícias Mena disse que as Forças Armadas reforçaram sua presença nos arredores do palácio presidencial e do Ministério da Defesa.
A Irmandade Muçulmana, que após décadas na clandestinidade venceu cinco eleições desde o levante popular que derrubou o ditador Hosni Mubarak, em 2011, está agora praticamente proscrita. Vários de seus líderes estão presos, inclusive Mursi, e as autoridades se referem a seus partidários como terroristas.
Numa vitória simbólica para a velha ordem política, em que os militares davam as cartas, Mubarak deixou a prisão na quinta-feira. Depois de governar o Egito com mão-de-ferro durante 30 anos, ele havia sido preso durante a revolução de 2011, sob acusações de corrupção e homicídio.