A epidemia de Aids na África tem sido alimentada por um ingrediente nefasto: a falta de profissionais de saúde. É o que alerta a organização Médicos Sem Fronteiras em um relatório divulgado nesta quinta-feira (24). "Temos a Medicina Sem Fronteiras, agora corremos o risco de ter a Medicina Sem Médicos", afirmou ao G1 a médica brasileira Raquel Yokoda, há sete meses trabalhando em um hospital em Moçambique.
De acordo com o alerta da Médicos Sem Fronteiras, a comunidade internacional precisa começar a se preocupar com a falta de pessoal para combater a Aids no continente, sob pena de ver todas as suas outras iniciativas fracassarem. O relatório elogia os esforços que tem aumentado o acesso dos pacientes com HIV aos medicamentos anti-retrovirais, mas avisa que está faltando gente para receitar esses remédios.
A Organização Mundial da Saúde recomenda um mínimo de 20 médicos para cada 100 mil habitantes. Em Moçambique, há 2,6. "Precisamos multiplicar por dez o número de médicos que temos para atingir o mínimo necessário", afirma Yokoda. "E é só o mínimo. Nosso desafio é imenso", diz ela, que cuida de um hospital em Moçambique com a ajuda de apenas dois enfermeiros.
"Normalmente faço de 60 a 70 consultas por dias. Os enfermeiros às vezes fazem mais. É um problema muito grave, pois não conseguimos dar um tratamento de qualidade. Não é possível explicar, por exemplo, como os medicamentos precisam ser tomados, que tipo de reação eles podem esperar", conta a brasileira.
Para burlar a falta de pessoal e tentar melhorar um pouco a situação da população que aguarda em fila por muitas horas pelo atendimento, a médica e seus enfermeiros têm lançado mão da ajuda do que chamam de "profissionais leigos". São pessoas da região, de ativistas a até mesmo pacientes, que são treinados por eles para dar informações aos que precisam. Segundo Yokoda, o governo moçambicano é contra a prática, mas é difícil dar conta de tudo.
Segundo o relatório, há poucos médicos e os que há estão exaustos. Eles sofrem com excesso de trabalho, baixíssimos salários, excesso de burocracia e, ainda, problemas de saúde. De acordo com o estudo, o que mais abala a força de trabalho de saúde na África é a morte dos profissionais - quase sempre por Aids.
Para Raquel Yokoda, que já trabalhou com comunidades na Amazônia, o desafio parece imenso. "Na Amazônia enfrentei problemas sérios e éramos poucos médicos, mas lá também não eram muitos os pacientes. Aqui somos poucos e é um país inteiro doente. É um contexto em que ninguém aceita trabalhar", conta ela, que volta ao Brasil em outubro, para estar novamente à disposição da Médico Sem Fronteiras para outras missões. "É um trabalho que dá uma nova perspectiva da humanidade", afirma a paulista.