Para os israelenses, os debates na Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o chamado Relatório Goldstone e suas acusações de crimes de guerra em Gaza vão bem além da árida discussão jurídica. O governo local vê nisso uma batalha pela própria sobrevivência nacional.
Uma conferência sobre segurança nacional nesta semana deixou claro que Israel está cogitando várias armas na guerra de propaganda contra os palestinos e seus apoiadores, já que muitos israelenses temem que seu país vire um pária internacional, a exemplo do que ocorreu com a África do Sul na época do apartheid.
Em dezembro, o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu citou um "efeito Goldstone" - processos em tribunais internacionais que poderiam neutralizar a superioridade militar israelense-- e o apontou como uma das três maiores ameaças contra Israel, junto ao programa nuclear iraniano e ao arsenal de foguetes de guerrilheiros palestinos e libaneses.
"As pessoas estão questionando se deveríamos existir", disse o marqueteiro Eyal Arad, ex-consultor do governo, na Conferência de Herzliya, que ocorre todos os anos. "Estamos (...) nos tornando a África do Sul do século 21. Precisamos de uma campanha política global", sugeriu.
Em seminários com nomes como "Vencendo a Batalha da Narrativa", membros do governo asseguraram à plateia que há esforços para conquistar corações e mentes no exterior.
Um desses funcionários revelou, inclusive, que o governo anterior havia discutido os efeitos de uma guerra em Gaza com assessores de relações públicas três meses antes de esse conflito efetivamente começar, em dezembro de 2008. A guerra durou até janeiro de 2009, e matou 1.400 palestinos e 13 israelenses.
Em uma investigação feita por ordem da ONU, e sem a colaboração de Israel, o juiz sul-africano Richard Goldstone disse que palestinos e israelenses cometeram abusos durante o conflito, mas que estes parecem ter sido mais graves no lado israelense.
Sob ameaça de ter o caso levado a uma corte internacional, Israel anunciou ter tomado medidas para punir alguns oficiais militares.
Mas críticos domésticos dizem que as recriminações internacionais só irão parar quando Israel adotar medidas concretas em relação aos palestinos, e não manobras de relações públicas. É uma opinião obviamente compartilhada pelos palestinos.
Mas houve um consenso nos seminários de Herzliya, um dos pontos altos do calendário político e diplomático israelense, que uma melhor explicação sobre as políticas em vigor e sobre as ameaças que Israel enfrenta poderia atenuar a pressão diplomática vinda do exterior.
Um embaixador israelense disse que o maior risco é de os governos europeus limitarem seu apoio a Israel se a opinião pública nesses países se inclinar ainda mais contra o Estado judeu.
"Relançar a marca"
Para melhorar a imagem de Israel no exterior, foram lançadas em Herzliya propostas como aumentar significativamente os gastos nas embaixadas, promover a diplomacia "de base" em redes sociais da Internet ou mesmo "relançar a marca" de Israel totalmente.
Em artigo no jornal Haaretz, o publicitário e ex-diplomata David Admon sugeriu um "Ministério da Hasbara" ("explicação", em hebraico) para coordenar a mensagem transmitida pelo país. A mídia costuma usar o termo para se referir à diplomacia voltada à opinião pública.
Como Netanyahu, Admon salientou a cobertura positiva dada pela imprensa estrangeira ao envio de um hospital militar israelense para atender sobreviventes do terremoto no Haiti.
Muitos oradores em Herzliya apontaram uma campanha dos palestinos e de seus simpatizantes, especialmente o Irã, para "deslegitimar" Israel ou abalar o apoio ocidental ao país, o que seria uma alternativa ao uso da força.
"O objetivo deles é nos transformar em um Estado pária", disse o consultor Gidi Grinstein, que trabalha para o governo.
Exemplo britânico
Muitos israelenses se sentem ameaçados por uma "aliança profana" entre o Islã radical, o antissemitismo europeu tradicional e o apoio liberal laico aos palestinos.
Ron Prosor, embaixador de Israel em Londres, apontou o risco de "demonização" de Israel entre a "esquerda liberal" na Grã-Bretanha e na Europa em geral, especialmente na imprensa e nas universidades.
Para ele, atualmente há uma divergência entre a postura dos governos europeus e da sua opinião pública. "Se essa divergência se fechar, se fechará contra nós", alertou.
A Grã-Bretanha, segundo especialistas, tem um papel especial, por ser sede de grandes organizações de imprensa, ter uma grande comunidade islâmica e receber muitos estudantes estrangeiros.
O governo britânico, disse Prosor, tem dado crescentes sinais de estar dando atenção à opinião pública anti-israelense.
Uma manobra judicial no ano passado para prender a ex-chanceler Tzipi Livni durante uma visita a Londres, por exemplo, estremeceu as relações. Prosor se disse preocupado de que a Grã-Bretanha estabeleça um precedente para campanhas contra Israel em universidades estrangeiras e outros ambientes, especialmente nos EUA.
Num recente debate em Jerusalém, o embaixador britânico, Tom Phillips, minimizou o grau de hostilidade em seu país contra Israel, mas admitiu uma "mudança narrativa" --que o apoio inicial ao "pequeno e bravo Israel" havia sumido depois de 1967, substituído por imagens do "ocupante intimidador" que conquistou a Faixa de Gaza e a Cisjordânia.
Mas ele argumentou que a solução não é uma campanha de relações públicas, e sim a paz com os palestinos. Para ele, Israel "está evitando a questão (...) se acha que pode se livrar dela (mesmo) se este problema da ocupação persistir."
Os palestinos também argumentam que o problema da imagem de Israel deriva não da forma como sua mensagem é transmitida, mas das políticas adotadas. Um assessor do governo palestino citou, pedindo anonimato, as mortes de civis em Gaza, os assentamentos da Cisjordânia e outros atritos.
"Não é que os palestinos estejam vencendo algum tipo de guerra de relações públicas", disse ele à Reuters. "Tudo tem a ver com tentar acobertar o que é gritantemente óbvio a qualquer um que esteja no terreno."
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