| Foto: KENA BETANCUR/AFP

Para nós, o termo “atentado terrorista” é, com frequência, sinônimo do uso de explosivos e armas de fogo, objetos restritos por lei cujo único propósito é causar morte e destruição. Porém, no atentado da noite de quinta-feira em Nice, na França, parece que a maioria das 84 mortes foram causadas não por uma bomba ou pelos tiros de um fuzil automático. Em vez disso, foi um caminhão branco de grande porte, atravessando a multidão que comemorava o dia da tomada da Bastilha, que foi o motivo dos mortos, feridos e do caos que se instaurou. O caminhão havia sido alugado na segunda-feira em uma das franquias da agência Via Location, na região de Nice, segundo relatou uma funcionária da agência, por telefone, nesta sexta-feira.

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Estado Islâmico reivindica autoria de ataque em Nice

As autoridades francesas rotularam o atentado como um ato terrorista, apesar de, até o momento, não estarem claras as motivações exatas do motorista do caminhão e nenhum grupo ter assumido a responsabilidade por ele. Para muitos que vêm acompanhando as táticas terroristas usadas ao longo dos últimos anos, se não décadas, o uso de um veículo motorizado como arma para ferir civis não é uma surpresa. Na verdade, alguns argumentam que a maior surpresa é ter demorado tanto tempo para um veículo ter sido usado num atentado de maior escala no Ocidente.

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Uma conferência de dezembro de 2010 do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos havia dado o aviso de que veículos poderiam “ser usados para visar lugares-alvo onde se reúnem grandes quantidades de pessoas, o que inclui eventos esportivos e de entretenimento, bem como shoppings” nos EUA. A conferência apontou que os veículos apresentavam uma opção a mais para terroristas com “acesso limitado a armas e explosivos” e “desprovidos de treinamento ou experiência anteriores”.

Carros e outros veículos vêm há anos sendo usados já como armas por militantes em atentados em Israel e nos territórios palestinos. Como apontou por e-mail Matthew Henman, chefe do Centro de Terrorismo e Insurgência da IHS Jane’s, isso também não é novidade no Ocidente. Só na França já houve três atentados cometidos por terroristas com suspeita de serem militantes islâmicos que utilizaram veículos como armas: em dezembro de 2014 houve incidentes com veículos em Dijon e Nantes, mas as autoridades tiveram receio em chamá-los de atentados terroristas. Depois, em janeiro deste ano, houve outro em Valence.

Houve ainda um atentado utilizando um veículo em Montreal em outubro de 2014, e outro em Londres, em maio de 2013, em que um soldado à paisana foi atacado primeiro por um carro. Voltando um pouco mais no tempo ainda, em março de 2006, um ex-aluno entrou com um utilitário esportivo no campus da University of North Carolina, em Chapel Hill, e tentou atropelar alunos e professores.

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No entanto, a maioria dos atentados com veículos no passado foram relativamente de pequena escala, com pouquíssimas vítimas – em alguns casos, inclusive, ninguém morreu. Parecia ser um tipo de último recurso para grupos terroristas incapazes de encontrar armas mais destrutivas. “É obviamente uma tática inferior em relação ao atentado com bombas”, disse à Slate, em 2014, Daveed Gartenstein-Ross, pesquisador de contraterrorismo da Foundation for the Defense of Democracies. “Em Israel, parte do motivo pelo qual se vê essa tática sendo usada é a relativa eficiência da barreira de segurança, que dificulta muito a entrada de bombas pelas fronteiras do país”. O atentado em Nice parece representar um ponto de virada. “O uso de um caminhão de grande porte no atentado, junto com o alto número de vítimas e escolha deliberada de uma grande multidão como alvo, num evento ideologicamente simbólico, representa uma evolução no uso dessa tática e indica o potencial de um nível maior de planejamento operacional”, escreve Henman. “Além disso, a natureza do atentado, de baixa capacidade e alto impacto, aumenta o risco de que ele se repita na França e países aliados nos meses futuros, bem como também o de imitadores nos dias por vir”.

Vale a pena apontar ainda que as autoridades afirmaram ter encontrado armas e explosivos no veículo, apesar de depois relatarem que os artefatos eram falsos. O motorista estava armado com uma pistola e atirou contra os policiais antes de ser morto. A posse de armas de fogo é restrita por leis severas na França, mas os contrabandistas têm se beneficiado das fronteiras abertas da Europa e prosperado com a venda de armas no mercado negro.

A esta altura, não é claro se o motorista que cometeu o atentado tinha qualquer vínculo com organizações terroristas conhecidas, como o Estado Islâmico ou a Al Qaeda, ou mesmo se elas serviram-lhe de inspiração. Porém, ambos os grupos já fizeram declarações nos últimos anos que sugeriam o uso bélico de veículos em atentados no Ocidente. O grupo de inteligência SITE, uma organização que monitora grupos extremistas, afirma que os apoiadores do Estado Islâmico estavam “comemorando o massacre” em Nice nos fóruns e redes sociais. O grupo assumiu a responsabilidade por um número de atentados recentes, incluindo um com armas e bombas em novembro que matou 130 pessoas em Paris. Num número de declarações recentes do grupo, eles convocaram simpatizantes ocidentais e os incentivaram a procurar métodos incomuns de atingir alvos vulneráveis.

Numa declaração de setembro de 2015, o porta-voz do Estado Islâmico, Abu Mohammed al-Adnani havia sugerido especificamente o uso do atropelamento contra americanos e europeus. “Esmague a cabeça deles nas pedras, ou mate-os a facadas, ou atropele-os com seu carro, ou arremesse-os de prédios, ou mate-os esganados ou envenenados”, declarou Adnani, destacando em especial “os franceses imundos e rancorosos” como seus alvos.

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Tradução Adriano Scandolara