A descoberta dos primeiros planetas extrassolares no início dos anos 1990 deu um grande impulso para o então emergente campo da astrobiologia, que une astronomia, biologia, química, física e outras disciplinas para estudar as condições que permitiram o desenvolvimento da vida na Terra e como elas poderiam estar presentes em outros lugares no Universo. De lá para cá, cada vez mais cientistas se dedicam, direta ou indiretamente, a estas questões, inclusive muitos brasileiros.
Os resultados de suas pesquisas indicam que, de fato, os compostos básicos para que isso aconteça não só são abundantes como largamente produzidos e distribuídos no espaço por fenômenos naturais. Diante disso, para muitos especialistas é razoável supor que a vida, pelo menos nas suas formas mais simples como conhecemos, como bactérias e outros micro-organismos, seria comum no Cosmo, estando em quase todo lugar propício para que ela surja.
A mais recente descoberta no campo da astrobiologia foi anunciada pela Nasa na última quinta-feira: o planeta Kepler 452b está entre os mais parecidos com a Terra já detectados. Seria apenas 60% maior, e teria distância e órbita ao redor de uma estrela similar ao nosso sol também muito parecidas. Isso sugere que sua temperatura não é nem tão fria, nem tão quente, o que permitiria a existência de água líquida em sua superfície.
Na receita para o desenvolvimento da vida como a conhecemos, o ingrediente mais fundamental é justamente a água. Nossos próprios corpos são prova disso, compostos por 60% a 70% dela. Assim, não é por menos que “seguir a água”, isto é, saber de onde ela veio e como chegou em nosso planeta, foi um dos primeiros focos da astrobiologia.
ÁGUA SERIA MAIS ANTIGA DO QUE O SOL
Hoje se sabe que as densas nuvens interestelares de gás e poeira, as “sementes” de novos sistemas estelares como o nosso, são ricas em água, e estudo divulgado em setembro do ano passado sugere que entre 30% e 50% da água em nossos oceanos seriam mais antigos que nosso próprio Sol. Já a tese principal sobre como ela chegou à Terra aponta para um intenso bombardeio por asteroides e cometas contendo grandes quantidades de água na infância do Sistema Solar, fenômeno já observado em outros sistemas planetários.
Fora de nosso planeta, mas ainda dentro do Sistema Solar, esta busca pela água se concentrou inicialmente em Marte. Hoje inóspito, os cientistas acreditam que o planeta vermelho outrora já teve vastos oceanos onde a vida pode ter se desenvolvido. Professor da Universidade de Michigan, o cientista planetário brasileiro Nilton Rennó integra a equipe de pesquisadores que, com base em dados do veículo-robô Curiosity, da Nasa, confirmou em estudo publicado na revista “Nature” em abril passado que, dependendo da hora do dia, da época do ano e do local, água em estado líquido, na forma de salmoura, ainda corre pela superfície de Marte atualmente. E embora estas “águas de Marte” que fecham o verão do planeta sejam muito “salgadas” para sustentar organismos como conhecemos, sua presença é mais uma evidência de seu provável “passado úmido”.
— Há tempos o tema nas pesquisas e na exploração espacial da Nasa tem sido seguir a água, não só aqui no Sistema Solar, mas olhando mais para longe, nos planetas extrassolares — lembra Rennó. — Aqui na Terra, se tiver água, temos evidências de vida bacteriana, praticamente não importando quão salina, quão ácida ou quão fria ela esteja. Além disso, hidrogênio e oxigênio são elementos muito comuns no espaço, no topo da lista. Então, a água é uma molécula bem abundante no Universo. Só aqui no Sistema Solar já encontramos sinais da existência de muita água, talvez líquida, por exemplo, em Marte, e abaixo das crostas geladas de Europa e Ganimedes (duas das luas de Júpiter) e em Titã e Encélado (duas das luas de Saturno).
Mas só água não basta. A vida como conhecemos é composta por moléculas orgânicas complexas, que têm por base ainda mais elementos, em especial carbono, nitrogênio, fósforo e enxofre. Por “sorte”, estes elementos também são comuns no Universo e podem ser combinados nestes tipos de moléculas por vários processos cósmicos naturais.
É o caso, por exemplo, de recente estudo liderado pelo astrônomo Ramiro de La Reza, pesquisador do Observatório Nacional, publicado no início do mês passado no “Astrophysical Journal”, um dos mais prestigiados periódicos científicos na área. Nele, Reza e colegas mostram que estrelas gigantes saídas da chamada sequência principal, entrando numa das fases finais da existência destes astros pela qual a grande maioria passará, produzem enormes quantidades de compostos orgânicos, desde os mais simples, como o metano, até mais complexos, como cadeias aromáticas, que depois são lançados ao espaço interestelar nos estertores de sua agonia, “semeando-o” com estes tijolos básicos para a construção da vida.
— Para o Universo ter vida, teve que haver antes o desenvolvimento de um processo químico fundamental para possibilitar seu surgimento. E praticamente todas as estrelas passam por isso, então é um monte delas. Ver como a natureza é capaz de produzir estes compostos pré-bióticos em grandes quantidades e espalhá-los pelo espaço interestelar nos dá a ideia de que a vida pode ser resultado de um processo relativamente comum — diz Reza.
Neste ponto, os cometas voltam a ser fundamentais na história. Aqui no Sistema Solar, e provavelmente na grande maioria dos sistemas estelares, eles são resquícios de sua formação. Acredita-se que tenham ajudado a preservar e depois distribuir parte da água e das moléculas orgânicas que de outra forma teriam sido destruídas pelo violento ambiente do nascimento de nosso Sol e seus planetas. Mais tarde, com os ingredientes básicos para a vida e submetidos à radiação cósmica e solar, pode ter sido neles que os primeiros aminoácidos e moléculas orgânicas ainda mais complexas foram criados e depois “entregues” na Terra, junto com parte da água de nossos oceanos.
E é para investigar esta possibilidade, entre outras, que uma equipe liderada por Enio Frota da Silveira, professor do Centro Técnico-Científico da PUC-Rio, pretende começar, já a partir do mês que vem, a produzir seus próprios “cometas de laboratório” e submetê-los a condições similares às observadas no espaço, coletando dados de alta qualidade, que podem ajudar a esclarecer estes processos e orientar que instrumentos devem ir a bordo de futuras missões como a da sonda Rosetta-Philae, da Agência Espacial Europeia, que desde o ano passado acompanha o cometa 67P/Churyumov-Gerasimenko na sua trajetória em torno do Sol.
— Faremos simulações práticas, e não de computador, o que exige o cuidado de replicar ao máximo aqui as condições encontradas no espaço, como temperatura, pressão, umidade etc. — conta Silveira. — Como uma das coisas que estamos querendo fazer é a síntese de moléculas orgânicas pré-bióticas, isso também vai requerer um cuidado enorme com todos os elementos contaminantes que temos espalhados pelo laboratório, como o próprio lubrificante das máquinas, que podem arruinar os resultados. Para evitar isso, por exemplo, vamos usar uma bomba de vácuo “seca”, que usa um lubrificante sólido, o mesmo teflon das panelas de nossas cozinhas. Nossa ideia é examinar fenômenos astrofísicos que geram reações químicas para saber se eles são mesmo capazes de formar compostos pré-bióticos mais complexos.
A FÁBRICA DE VIDA DO UNIVERSO
Diante disso tudo, é possível então ver o Universo como uma grande fábrica que talvez produza vida sempre que possível.
— Pensando probabilisticamente, a vida é comum no Universo. Nosso Sistema Solar tem 4,6 bilhões de anos e temos evidências de que a vida bacteriana já existia na Terra há cerca de 3,8 bilhões de anos, isto é, logo depois de sua formação a vida já apareceu. O Universo tem quase 14 bilhões de anos, então isso quer dizer que existem sistemas estelares muito mais antigos que o nosso. Então, se a vida começou tão cedo aqui, não é muito difícil imaginar que ela já tenha surgido em outro lugar — diz Rennó, da Universidade de Michigan.
— Com um Universo cheio de moléculas orgânicas, basta que um dia apareçam condições favoráveis para que elas se unam e formem moléculas mais complexas, como proteínas, capazes de se reproduzir — reforça Reza, do Observatório Nacional.
— Se os fenômenos naturais são iguais no Universo inteiro e os materiais disponíveis também, não há razão para que não exista vida em outros lugares — conclui Silveira, da PUC.
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