O bombardeio dos Estados Unidos na Síria continha uma mensagem clara para a Coreia do Norte e seu aliado chinês, consideram os especialistas, mas isso não bastará para convencer Pyongyang a desistir de seu programa nuclear.
O fato de o presidente Donald Trump ter ordenado esta ação no momento em que recebia uma visita de seu colega chinês, Xi Jinping, também não é algo insignificante, já que o “dossiê” norte-coreano era um ponto-chave na agenda desta primeira cúpula entre os dois líderes.
Recorrer tão rapidamente à força contra a Síria reforça as ameaças de Trump, que em uma entrevista recente publicada pelo Financial Times manifestou estar disposto a resolver sozinho o problema norte-coreano.
Para Kim Yong-Hyun, professor da universidade Dongguk, o ataque americano – em reação a um suposto ataque químico imputado ao regime sírio, que provocou 87 mortes na terça-feira (4) na localidade rebelde de Khan Sheikhun – foi uma declaração de intenções na qual Damasco não era o único destinatário.
“Era uma maneira de dizer a Pyongyang que há um novo xerife na cidade, e que ele não hesitará em desembainhar [sua arma]”, disse.
A Coreia do Norte, por sua vez, não mudou sua retórica, condenando no sábado (8) um “ato de agressão intolerável”, que prova “um milhão de vezes” a necessidade de avançar com seu programa nuclear.
Kim sorridente
Pyongyang, que deseja colocar os Estados Unidos ao alcance de suas ogivas nucleares, acelerou consideravelmente seus programas balístico e nuclear, realizando desde o início de 2016 seu quarto e quinto testes nucleares. Alguns especialistas acreditam que um sexto é iminente.
A Coreia do Norte se refere frequentemente à ameaça americana para justificar esses programas que, no entanto, foram proibidos pela comunidade internacional. “O ataque de Trump na Síria não deve ter um impacto significativo sobre uma Coreia do Norte acostumada à ameaça americana”, disse Joel Wit, do Instituto americano-coreano da universidade Johns Hopkins.
Em 2003, durante a invasão dos Estados Unidos ao Iraque, o ex-líder norte-coreano Kim Jong-Il, absolutamente convencido de que era o próximo da lista, desapareceu por seis semanas. Seu filho, o atual líder Kim Jong-Un, não tem nenhuma razão para tomar as mesmas precauções, declarou Chang Yong-Seok, pesquisador do Instituto de Estudos para a Paz na Universidade Nacional de Seul. “O ataque na Síria não deve impressioná-lo, uma vez que tem armas nucleares”, disse.
Era esta provavelmente a mensagem que Pyongyang buscava enviar ao divulgar fotos de seu líder sorridente durante uma visita a um local de cultivo de cogumelos.
Portanto, a questão mais importante é o impacto do ataque americano sobre a China, o aliado mais próximo de Pyongyang e o país que mantém economicamente à tona o regime norte-coreano e, portanto, quem tem a maior influência sobre seu vizinho turbulento.
‘Grandes desastres’
Assim como seus antecessores, Trump espera que a China enfrente Pyongyang com mais força. No entanto, foi muito mais longe que os presidentes americanos anteriores ao ameaçar resolver sozinho o problema se a China não agir.
Neste contexto, o ataque na Síria pode ter um efeito maior em Pequim que em Pyongyang. “A mensagem por trás do ataque é dizer que a administração Trump não se limitará a falar. Agirá”, declarou Wang Dong, da Universidade de Pequim.
A China se irrita com as provocações norte-coreanas, já que fundamentalmente segue temendo as repercussões geopolíticas do colapso de seu vizinho, e em particular os progressos na sua fronteira de uma Coreia (do Sul) alinhada com Washington. “Do ponto de vista chinês, não foi até o fim na via diplomática”, estima Wang.
Levando-se em conta o arsenal nuclear da Coreia do Norte e sua posição geopolítica, uma ação militar contra Pyongyang pode ter consequências dramáticas, de acordo com Jia Qingguo, da Universidade de Pequim. “Um pequeno pontapé pode causar grandes desastres”, afirma.
Os meios de comunicação chineses cobriram amplamente a cúpula entre Trump e Xi, mas se mostraram relativamente silenciosos sobre o ataque dos Estados Unidos, com exceção do Global Times.
“Esta é a primeira grande decisão de Trump sobre os assuntos internacionais, e dá a impressão de ter sido tomada com pressa”, afirmou o jornal.