A boa vontade demonstrada pelo governo brasileiro nas últimas semanas em receber refugiados sírios no país esbarra na falta de estrutura do sistema público para analisar a concessão do registro nacional de estrangeiros. O Brasil tem hoje 8.400 refugiados conhecidos, mas deste total, apenas 791 foram reconhecidos como tal entre janeiro e agosto deste ano. Os dados são do próprio Conselho Nacional para Refugiados (Conare), órgão ligado ao Ministério da Justiça. No mesmo período, foram indeferidas 223 solicitações.
O Conare analisa uma média mensal de 126 solicitações de refúgio feita por estrangeiros que chegam ao Brasil. Embora a presidente Dilma Rousseff tenha afirmado que o país está de braços abertos para receber os refugiados sírios, os dados mostram o quão precário é o sistema nacional para receber esses imigrantes. Em alguns casos, as análises demoram mais de ano [veja o texto ao lado]. Havia até agosto 12.668 solicitações aguardando julgamento.
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Essa demora, no entanto, é apenas um dos problemas. O país ainda não tem um plano nacional para refugiados. Para o representante da Coordenadoria de Política Migratória e Universidades da UFPR, José Antônio Peres Gediel, as principais questões sobre a falta de estrutura para o recebimento de refugiados no país passam pela ausência de estabelecimentos de acolhimento, cursos adequados de línguas, melhorias no sistema de revalidação de diplomas, de reforços nas equipes do Conare e de políticas públicas de saúde e educação específicas. “Não temos políticas públicas consistentes no Brasil”, disse. Sobre aspectos da saúde, Gediel lembrou que é fundamental adequar o atendimento a alguns refugiados para se adaptarem à cultura brasileira gradativamente.
Indeferidas
17% das solicitações de refúgio entre 2011 e agosto de 2015 foram indeferidas pelo Conselho Nacional para Refugiados, órgão ligado ao Ministério da Justiça. Neste período, foram feitas 30.571 solicitações. O Brasil deferiu 8.400 nestes anos. Destes, 2.077 são sírios. O país negou 5.204 pedidos de estrangeiros de diversas nacionalidades desde 2011 até agora. “O alemão, o italiano, o americano eu deixo entrar. Ao haitiano, ao africano e ao muçulmano eu ofereço resistência. Por quê?”, questionou diretor do Instituto de Reintegração dos Refugiados (Aidu), Marcelo Haydu, sobre o número de indeferimentos. Ele acredita que questões religiosas e raciais são os principais motivos para barrar a entrada no país.
“Em breve vamos nos deparar com essas questões culturais [relacionadas à saúde e educação]. Por exemplo, imagine uma mulher muçulmana que necessita de cuidados ginecológicos se o único especialista do posto de saúde da cidade dela for homem?”, questionou o especialista. Para a coordenadora do Centro de Referência em Direitos Humanos Cáritas, Tailani Costa, as gestões municipais, estadual e federal precisam integrar as políticas públicas. “Seria necessário que municípios, estados e União conversassem. Hoje, não temos sequer uma casa de abrigo. O refugiado chega sem ter onde ficar”, afirma.
Para o diretor do Instituto de Reintegração dos Refugiados (Aidu) –uma organização não governamental (ONG) paulista –, Marcelo Haydu, o país precisa entender a diferença entre o migrante refugiado e o comum. “Tem que estruturar mais (o país). Temos muitos espaços públicos ociosos que poderiam ser revertidos para acolhimento. O refugiado não é um migrante comum. Ele vem com outras carências e vulnerabilidades, inclusive de saúde”, ressaltou.
Embora Haydu admita que o Brasil tem tido um papel relevante ao permitir entrada dos refugiados, na avaliação dele, o país terá que, obrigatoriamente, modificar suas políticas públicas sobre o tema. O motivo é que não há uma rede de proteção estabelecida.“O Brasil não tem dado conta minimamente do problema. É uma mostra clara da falta de preparo. Precisamos receber bem essas pessoas, porque, queiramos ou não, eles vão continuar a vir.” O especialista destacou ainda que as ONGs estão fazendo a maior parte do trabalho de recepção e acolhimento atualmente. “Trabalham sem qualquer apoio do governo”, frisou.
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