"Deve ter gente que fica constrangida com o prêmio, mas eu achei muito legal", declarou ao G1 o arqueólogo Astolfo Gomes de Mello Araujo, da USP, no dia seguinte à sua consagração como um dos vencedores do Ig Nobel. O prêmio, organizado pela revista de humor científico "Annals of Improbable Research" (Anais da Pesquisa Improvável), vai para "pesquisas que não podem, ou não devem, ser reproduzidas" e para experimentos que "primeiro fazem as pessoas rirem e depois as fazem pensar". O primeiro Nobel da pesquisa esdrúxula vencido por um brasileiro é fruto do trabalho de dois arqueólogos, vários tatus e uma multidão de crianças empolgadas.
Crianças? Sim, porque o experimento de Araujo e de seu colega José Carlos Marcelino, do Departamento do Patrimônio Histórico de São Paulo, aconteceu em pleno Zoológico de São Paulo, à luz do dia e em dia de visitas. A dupla simplesmente enterrou pedras lascadas e pedaços de cerâmica no recinto ocupado pelos tatupebas (Euphractus sexcinctus) e esperou 50 dias para reescavar o local e ver o resultado. "As crianças não paravam de gritar 'Tio, o que é isso?' enquanto a gente escavava. Foi uma bagunça", recorda Araujo, que acaba de passar em concurso para integrar a equipe do Museu de Arqueologia e Etnologia (MAE) da USP.
O resultado foi conclusivo: os arqueólogos deveriam fugir dos tatus como o diabo da cruz. Isso porque aparentemente os mamíferos escavadores bagunçam totalmente a estratigrafia, ou seja, a sucessão de camadas que constituem um sítio arqueológico. Isso é uma potencial dor de cabeça porque a estratigrafia ajuda os arqueólogos a estimar a idade relativa dos artefatos encontrados num dado local. As garrinhas do tatupeba podem muito bem fazer com que uma ponta de flecha de 200 anos pareça ter 2.000 anos, digamos.
Segundo Araujo, a equipe do IgNobel já estava dando sinais de que ele seria um dos ganhadores desde junho. "Eles me mandaram um e-mail querendo discutir meu trabalho, mas eu vi a assinatura da pessoa com o site do prêmio e logo me dei conta de que tinha a ver com o Ig Nobel", conta ele. Sem dinheiro de financiamento, ele não pôde ir à premiação, que acontece todos os anos num teatro da Universidade Harvard (EUA).
O arqueólogo defende os ganhadores do prêmio. "Não é porque é engraçado que não é boa ciência. Por exemplo, uma das pesquisas vencedoras, aquela das strippers [que ganhou na categoria Economia, mostrando que as dançarinhas de strip-tease recebem mais gorjetas quando estão no período fértil], é muito interessante para entender a relação entre a biologia e o comportamento humano. Isso é superlegal", argumenta Araujo.
Após a vitória, Araujo lembrou a figura de Faiçal Simon, superintendente do Zoológico de São Paulo, já falecido, que deu apoio aos arqueólogos para realizar o experimento. "Era uma pessoa fantástica, entendia tudo de animais. Se não tivesse morrido de repente, certamente daria contribuições científicas até os 90 anos de idade", diz.
Tatus à parte, o pesquisador continua tentando entender a estratigrafia dos sítios arqueológicos brasileiros, em parceria com o antropólogo Walter Neves, também da USP, um dos principais especialistas do mundo na chegada do ser humano às Américas. Com isso, Araujo tem trabalhado na região de Lagoa Santa (MG), área onde estão alguns dos sítios mais antigos do continente, com cerca de 11 mil anos de idade.