O paranaense Neoli Gonçalves da Silva não pensa duas vezes ao afirmar que largaria tudo que lhe é caro no Brasil para lutar pela Ucrânia| Foto: Josue Teixeira/Agência de Notícias Gazeta do Povo

Visão romântica da terra natal

Deixar tudo para trás e se dispor a lutar pela Ucrânia. Para a historiadora ucraniana Oksana Boruszenko, professora aposentada da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e autoridade acadêmica internacional em imigração ucraniana, essa atitude é pessoal, faz parte de casos isolados e baseia-se em uma visão estritamente romântica da terra dos ancestrais.

No Paraná, que abriga a maior comunidade ucraniana da América Latina, reunindo 400 mil descendentes, não são todos que pensam dessa forma, segundo Oksana. "O ideal de pátria fica distante do dia a dia dos descendentes. Para grande parte da quarta geração de ucranianos, a Ucrânia não passa de histórias contadas pelas avozinhas", garante a historiadora.

Ela conta que são poucos os descendentes que tiveram a chance de conhecer pessoalmente a Ucrânia e de compreender a mentalidade do país. Quem conheceu perde essa visão romantizada, de acordo com Oksana, que faz questão de lembrar que os primeiros imigrantes ucranianos que vieram ao Brasil em 1891 estavam com fome de terra e procuravam por melhores condições de vida.

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Ele não pensa duas vezes ao garantir que se desligaria de tudo que lhe é caro no Brasil, de tudo que, até então, constituiu sua identidade, para ir lutar pela Ucrânia nos conflitos que se desenrolam no leste do país. Tanto é que, no início de março, mandou um e-mail para a Embaixada da Ucrânia no Brasil querendo se juntar às Forças Armadas ucranianas. Se, em algum momento, a Ucrânia chamar, esse jovem de 36 anos percorrerá mais de 11 mil quilômetros até Kiev e deixará pai e mãe, os estudos universitários em Engenharia da Computação, o trabalho como segurança e sua cidade natal, Ponta Grossa.

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Para muitos pode até parecer loucura, mas para Neoli Gonçalves da Silva não é. Embora seu nome tenha uma brasilidade inconfundível, o rapaz tem ascendência ucraniana. Foi criado no meio de pêssankas (aqueles ovos coloridos, pintados à mão), ouvindo os avós conversando em ucraniano e participando das tradições da comunidade ucraniana de Ponta Grossa. Por isso defende que essa guerra também é sua.

"Não posso ignorar o que está acontecendo. A Ucrânia é a terra de origem da minha família e, portanto, é a minha também. Devo isso a eles. Assistindo ao noticiário todos os dias, é difícil não se revoltar", explica Silva. "A violação da soberania ucraniana não pode ser tolerada. A história nos mostra que grandes tragédias já aconteceram quando o mundo fechou os olhos para o expansionismo de outras nações."

"Alguém precisa aceitar os riscos"

Neoli não tem experiência militar alguma. Porém, domina história e jargões militares como um capitão de infantaria. Não é pra menos, já que leu três vezes "A arte da guerra", obra definitiva sobre táticas militares, do aclamado general chinês Sun Tzu (século 6 a.C.). "O livro me ensinou muito. E não apenas sobre táticas de guerra. Todo o ensinamento pode ser aplicado ao dia a dia", ressalta.

Toda a família, incluindo a mãe, apoia a decisão do jovem. Apesar disso, também se preocupam com as possíveis consequências da escolha de Neoli. Da parte do ponta-grossense, ele se mostra bem ciente sobre os perigos de um conflito armado. Justifica, porém, dizendo que as vidas dos ucranianos são prioridade. "Nessas situações, algumas pessoas precisam defender as mais frágeis e aceitar os riscos", afirma.

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O que diz a Embaixada da Ucrânia

Em resposta aos e-mails enviados espontaneamente para o serviço diplomático ucraniano, a Embaixada da Ucrânia no Brasil informou que agradece a solidariedade por parte dos brasileiros, mas que a situação no leste do país está sendo solucionada por vias diplomáticas. A embaixada não quis precisar o número de e-mails recebidos, mas assegura que são poucos. Nenhum outro voluntário brasileiro aceitou conversar com a reportagem.

Embora os conflitos entre separatistas pró-Rússia e nacionalistas estejam todos os dias nos jornais, a situação na Ucrânia não configura um cenário de guerra, já que nenhuma declaração oficial foi dada pelas partes envolvidas. Para o direito internacional, portanto, embora a região esteja em conflito, ela não está em guerra.