Dois brasileiros que vivem na região do conflito entre o exército israelense e os guerrilheiros do Hamas relatam os momentos de terror e medo que permeiam o dia a dia. Apesar de estarem de lados diferentes da fronteira, a rotina de ambos é igualmente tensa e desumana.
"A gente nunca sabe o que vai acontecer amanhã. Hoje, posso sair da minha casa para estudar e, de repente...", conta o estudante Fred Haiat, que mora em Ashkelon, sul de Israel, cidade na mira dos mísseis do Hamas, a facção palestina que controla a Faixa de Gaza.
"Vivemos em constante medo, muito medo", diz a educadora Laila Farid Sahanin, que mora em um campo de refugiados em Gaza, território arrasado pelas bombas israelenses na última semana.
Laila e Fred são dois brasileiros separados por um conflito que já matou mais de 500 pessoas em nove dias, a maioria delas palestina.
"Eu trabalhava em uma creche, cuidando de crianças, e tive de parar para cuidar do meu pai. Já estou há seis anos aqui", conta Laila. O pai dela, Farid Sahanin, diabético e portador de problemas psiquiátricos, deixou mulher e dois filhos em São Gonçalo, no Rio de Janeiro. Ele quer ir embora, mas não consegue porque as fronteiras de Gaza estão fechadas há anos.
"Aqui não tem nada. Deus me livre! Aqui só tem bomba para jogar em cima de nós. Eu quero voltar para o Brasil, quero que a embaixada brasileira ou o consulado acerte tudo para eu ir embora. Eu vou morrer no Brasil, se Deus quiser", diz Farid Sahanin.
"Ele está querendo voltar, mas eu não tenho vontade. Eu queria morrer, em martírio aqui, como eles. Tenho honra de morrer como eles", diz Laila, que divide um terreno com o pai e o irmão. Cada um tem sua própria casa. Farid Sahanin mora com a atual esposa.
"Aqui está um frio terrível", diz Laila, que sofre com o inverno em Gaza sem aquecimento nem luz na casa. Para piorar, os vidros das janelas quebraram com o estrondo das bombas e foram colocados plásticos no lugar para tentar diminuir o frio. "Todas as torneiras estão sem água. Não tem gás para fazer um chazinho para as visitas. Em uma melhor ocasião a gente faz", diz Laila.
A menos de 10 quilômetros de distância da casa de Laila, o também brasileiro Fred vive o cotidiano de guerra em Israel. Ele mora em Ashkelon e aluga um apartamento que ocupa parte de uma casa.
"É um quarto e sala, com uma cozinha pequena", descreve o estudante de 28 anos, que há cinco anos mora em Israel. "Passo a maior parte do tempo no meu quarto. Eu vim para estudar. Tenho que conseguir meu diploma de engenharia. Agora cancelaram as aulas. Faz dois dias que caiu um foguete do lado da minha faculdade. Por isso, ela foi fechada".
Fred tem conforto, mas não tranquilidade, pois tem de se abrigar toda vez que soa o alarme antimísseis. "A gente vai para um lugar subterrâneo embaixo de uma escada. Lá as paredes são bem protegidas. Eu tenho 30 segundos para descer a escada. Vou para lá, abaixo, ponho a mão na cabeça e espero escutar o barulho da bomba. Daí eu volto e posso continuar a fazer as coisas que eu estava fazendo em casa".
Ninguém se arrisca nas ruas de Ashkelon, que ficam desertas na maior parte do tempo. "Geralmente, as crianças tinham que estar brincando", diz ele. "Mas tem pouquíssimos carros, os ônibus foram cancelados e as lojas estão fechadas. Se eu quiser comprar pão ou leite, tenho que ir para o outro lado da cidade".
Até o comércio ao ar livre foi proibido e um feirante desavisado teve de voltar para casa. "Ele veio com frutas. É uma pena, porque vai perder tudo. As frutas vão apodrecer", lamenta Fred. "Um foguete que caiu destruiu um carro completamente. Por sorte, a mulher escutou a sirene e saiu do carro. Por todo lado, só restam pedaços do carro. Dá até para ver um pedaço de sapato de mulher e uma sandália de criança".
Na cidade de Gaza, as explosões também tiram o sono de Laila. "A gente não tem como dormir mais. As crianças ficam chorando. Acordamos assustados com tudo que acontece ao redor", conta. "Tenho saudade de todas as coisas do Brasil. Chuchu na água e sal, por exemplo, ou suco de maracujá. Minha mãe pensa em me levar para lá, para ajudá-la em sua pequena confecção. Mas eu gostaria de morrer aqui também. Porque aqui eu seria martírio. Lá não. E martírio me daria uma recompensa muito grande próximo ao nosso senhor", justifica Laila.
De volta Ashkelon, o alarme soa por três vezes em menos de 15 minutos e todos correm para um abrigo antiaéreo. "Estamos dentro de uma proteção contra foguete, já está virando uma rotina", diz Fred. "Tem momentos em que eu penso em voltar para o Brasil, mas ainda tenho esperança de que aqui vai ser um lugar muito bom para morar".
De volta à casa de Laila, na Faixa de Gaza, as notícias não são boas. "Hoje é o sétimo dia de bombardeio. Esperamos que não passe de uma semana, que já é muito tempo. Esta noite foi a pior de todas", conta. "Trouxeram a luz por algumas horas. Deu para fazer alguns pães rapidinho e fervemos água para conservamos na garrafa", conta.
Enquanto Laila mostra o quintal da casa, barulho forte assusta a todos. "É um míssil - e dos grandes. É na redondeza. Toda noite ouvimos esse som. Nem dormimos. Ficamos tremendo, porque pode vir para cima da gente. Guerra são lágrimas", afirma Laila.
Um de cada lado da fronteira, os brasileiros trocam mensagens de esperança e paz: "Espero que isso termine e que a Laila se cuide. Tenta se cuidar", diz Fred. "Que a paz que Ele colocou no nosso coração, Ele coloque no seu e de todos os israelenses aí, para que eles não continuem com isso", deseja Laila.
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