Em casos criminais, os juízes tipicamente decidem se o réu é culpado, e depois determinam a punição adequada. Uma nova pesquisa confirma que estes dois processos separados — culpa e punição —, embora estejam relacionados, ocorrem em diferentes partes do cérebro. De fato, os cientistas descobriram que eles podem interromper ou mudar uma das decisões sem afetar a outra.
Os pesquisadores das universidades de Harvard e Vanderbilt explicam que uma área específica do cérebro, o córtex pré-frontal dorsolateral, é crucial para decisões ligadas à punição. Eles então previram que, com a alteração da atividade cerebral naquela região, poderiam mudar como as pessoas estabelecem punições em situações hipotéticas sem modificar a “intensidade” da culpa atribuída a uma pessoa.
“Conseguimos mudar significativamente a cadeia de decisões do cérebro e reduzir as punições estabelecidas para cada crime sem afetar a atribuição da culpa”, explica René Marois, professor de psicologia da Universidade de Vanderbilt e coautor do estudo, publicado na edição desta semana da revista “Neuron”. “Isso fortalece as evidências de que o córtex pré-frontal dorsolateral integra informações de outras partes do cérebro para determinar punições e mostra uma clara dissociação neural entre decisões de punição e julgamentos de responsabilidade moral.”
Estímulo no cérebro
Os cientistas usaram um método conhecido como estimulação magnética transcraniana repetitiva (rTMS, na sigla em inglês) em uma área específica do córtex pré-frontal dorsolateral para alterar brevemente a atividade naquela região e, consequentemente, mudar a intensidade da punição atribuída.
“Muitos estudos mostram como o córtex pré-frontal dorsolateral participa de tarefas cognitivas relativamente simples, e acreditamos que este processo básico constitui a base para formas mais complexas de comportamento e tomadas de decisão, como a aplicação de uma norma”, destaca o coautor da pesquisa, Joshua Buckholtz, professor de psicologia da Universidade de Harvard.
A equipe de Marois e Buckholtz conduziu experimentos em 66 homens e mulheres. Os participantes deviam tomar decisões sobre as punições e o culpado em uma série de cenários em que um suspeito comete um crime. Os cenários variavam de acordo com o prejuízo causado (de danos à propriedade a provocação de ferimentos e morte) e o grau de culpa que pode ser atribuído à pessoa (totalmente responsável ou não, de acordo com as circunstâncias). Metade das pessoas recebeu a estimulação magnética, enquanto a outra recebeu apenas um placebo.
Diferença de resultados
As pessoas que receberam a estimulação aplicaram punições menores para os réus do que os demais, particularmente em situações ligadas a danos baixos ou moderados.
“A perturbação temporária das funções do córtex pré-frontal dorsolateral teriam alterado como as pessoas usam as informações para tomar suas decisões”, explica Buckholtz. “Em outras palavras, a punição requer que as pessoas equilibrem estas duas influências, e a manipulação magnética interferiu neste balanço, especialmente sob condições em que estes fatores são dissonantes, como quando a intenção é clara, mas o resultado dos danos é leve.”
Próximos passos
A principal meta da equipe com este trabalho é expandir o conhecimento sobre como o cérebro acessa e depois integra informações relevantes para decisões sobre culpa e punição. E também avançará o estudo indisciplinar da lei e da neurociência.
“A pesquisa nos dá uma percepção mais profunda sobre como as pessoas tomam decisões relevantes para a lei, e particularmente como diferentes partes do cérebro contribuem para decisões sobre o crime e a punição. Esperamos que essas ideias nos ajudem a construir uma base para melhor compreensão, e talvez um dia tomar mais decisões no sistema legal”, diz o coautor e professor de Direito e Ciências Biológicas de Vanderbilt, Owen Jones.
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