A descoberta de um exemplar incrivelmente bem preservado de mamute (Mammuthus primigenius) na Sibéria -- um bebê do sexo feminino, com apenas seis meses de idade na época da morte, há 10 mil anos -- trouxe de volta um dos mais antigos desejos da ciência: ressuscitar animais extintos. Em tese, a missão pode ser viável no caso dos mamutes, já que o incrível grau de preservação permitido pelo chão congelado da Sibéria traz a possibilidade de encontrar células com núcleo e material genético aparentemente intactos.
Em tese, bastaria "contrabandear" esse pacote de DNA para o interior de um óvulo de elefante cujo material genético foi retirado, fundir os dois elementos e implantar o embrião resultante numa mãe-elefante de aluguel. Muitos meses depois (mais de um ano e meio, a julgar pela gestação do elefante asiático, parente próximo dos mamutes), teríamos um bebê-mamute redivivo.
A coisa não é nem de longe tão simples assim, no entanto. O primeiro problema quase insuperável a enfrentar é a degradação natural que as moléculas de DNA sofrem logo após a morte de qualquer ser vivo, mesmo que essa morte ocorra num ambiente em que as reações químicas estão muito lerdas por causa do frio (caso dos mamutes siberianos). Aliás, o próprio congelamento pode ser letal para as ambições dos clonadores de mamute: os cristais de gelo que se formam no interior das células ao longo do processo provavelmente destruiriam ou ao menos bagunçariam parte do material genético.
Mesmo que o congelamento seja bonzinho, no entanto, a molécula de DNA é uma das mais instáveis entre os compostos orgânicos. Com o passar do tempo, as longas seqüências de "letras" químicas A, T, C e G (são nada menos que 3 bilhões de pares delas em genomas como o humano) tendem a ficar em pedacinhos e a perder ou ganhar átomos. Os pesquisadores estão descobrindo que essas transformações são relativamente regulares -- algumas "letras" tendem mais a virar um tipo de composto do que outros --, mas probabilísticas.
O que isso significa? Que você nunca vai ter certeza absoluta de que aquele pedaço degradado de DNA era originalmente um T ou um C, por exemplo. E nem de como montar o quebra-cabeças dos fragmentos num todo correspondente ao genoma original do bicho que você quer ressuscitar. E algum grau de reconstrução sempre é necessário, porque é altamente improvável que nenhum dos genes de um mamute morto há 10 mil anos tenha se degradado.
Neandertais e lobos-da-tasmânia
O mesmo vale para outras criaturas extintas que alguém poderia desejar clonar, como os neandertais, primos da humanidade desaparecidos há 30 mil anos, ou os lobos-da-tasmânia, que os colonos australianos caçaram até a extinção no começo do século passado. O caso deles na verdade é pior, porque nenhum exemplar intacto foi preservado no gelo siberiano, de forma que seu DNA teria necessariamente de ser reconstruído, o que comporta uma grande margem de erro.
O problema seguinte é, claro, a mãe de aluguel e os óvulos dela. Nos três casos -- mamutes, neandertais e lobos-da-tasmânia -- existem parentes próximos disponíveis (elefantes asiáticos, humanos e diabos-da-tasmânia). O problema é que os óvulos, mesmo sem material genético do núcleo, carregam informações que são importantes para o desenvolvimento correto dos embriões.
Usar células maternas de uma espécie diferente pode mandar esse equilíbrio delicado para o espaço e comprometer o embrião. (Pode, não deve: mães de aluguel de espécies diferentes da do embrião já foram capazes de dar à luz sem muitos problemas.)
Mas a clonagem em si é um obstáculo sério. Por uma série de motivos que a ciência ainda está elucidando, só uma pequena porcentagem dos embriões oriundos do processo -- algo entre 1 e 100 e 1 em 200 para as espécies bem estudadas -- chega a nascer. E, se nasce, tem problemas de saúde graves e morre cedo.
Por tudo isso, ainda vai ser necessário entender muito melhor as complexidades do genoma antes que seja possível tentar a clonagem de um mamute com alguma chance de sucesso. Outra discussão importantíssima, obviamente, envolve questões éticas: até que ponto é válido colocar em risco a vida de uma rara fêmea de elefante asiático só para ver um mamutinho nascer? E é certo trazer de volta ao mundo um bicho cujo habitat, a estepe siberiana da Era do Gelo, não existe mais? Não se pode esperar que a ciência, sozinha, solucione esses dilemas.