A ameaça era conhecida por todos. Dez dias antes do assassinato do opositor Boris Nemtsov, Alexander Zaldostanov advertiu, publicamente: “O medo da morte é o único que pode deter a oposição russa”. Esse personagem onipresente na televisão estatal, já faz um ano, é um tenebroso motociclista de 52 anos, fanático por “Mad Max” e do patriarca de Moscou, a quem Vladimir Putin denomina “seu irmão”. O presidente russo o quer tão bem que o transformou em símbolo do seu regime nacionalista e em chefe de uma espécie de guarda pretoriana paralela.
O indivíduo, um gigante com rabo de cavalo apelidado “Cirurgião” desde as épocas em que estudava medicina, preside o maior clube de motociclistas da Rússia. A organização agrupa vários milhares de valentões em uma versão eslava dos Hells Angels.
Zaldostanov, que tem a entrada proibida na Europa e nos Estados Unidos por ações antiucranianas que cometeu na Crimeia, acredita estar investido de uma missão divina: ajudar Putin, o “salvador do mundo”, a “reunificar o império russo” e, sobretudo, proteger o líder do Kremlin contra “a besta laranja”, a revolução popular e pacífica que Nemtsov promoveu até 27 de fevereiro último, quando foi assassinado a dois passos del Kremlin.
O lugar que esse extremista ocupa na cena político-midiática russa é revelador dos desvios do poder “putiniano”. “De Moscou a Vladivostok, todo o mundo conhece o ‘Cirurgião’, sua roupa de couro negro, sua Harley Davidson e suas tatuagens. Ele e seus homens (autoapelidados ‘os lobos da noite’) estão onipresentes nas celebrações oficiais. Na verdade, forma parte da nova história russa”, comenta Anna Dolgov, do site Newsreporter Media.
Em fevereiro de 2014, eles bloquearam a entrada na Crimeia, primeira etapa da anexação da península. Em novembro, em Moscou, fizeram uma aparição ao vivo, diante das câmeras da televisão estatal, no cortejo da festa nacional enrolado em sua própria bandeira: um patchwork desordenado da estrela vermelha soviética e da águia imperial.
A última demonstração de força ocorreu em 21 de fevereiro passado, durante uma marcha anti-Maidan, quando milhares de manifestantes insultavam o novo governo ucraniano. Com o refrão, “não esquecemos, tampouco perdoamos”, Zaldostanov proclamou sua intenção de “exterminar” os opositores de Putin. Uma semana depois, Nemtsov caiu, vítima de quatro balas.
Seu motocenter está instalado em um vasto terreno baldio, a 20 quilômetros a noroeste de Moscou. Na entrada, há um par de lobos embalsamados, uma imensa cruz ortodoxa e carcaças de caminhões. “Proibida a roupa desportiva e de camuflagem”, adverte um cartel. Dois vigias, grandes como silos, vestidos de couro negro e com a cabeça raspada, bloqueiam a entrada.
“Isto é um clube privado. É preciso ser membro ou estar convidado para entrar. Mas, sobretudo, estão proibidas as mulheres e os pederastas”, diz o mais maciço, enquanto sinaliza com o braço estendido o caminho da saída.
O encontro de Putin com Zaldostanov remonta a 2009, dois dias antes de um show organizado pelo “Cirurgião”. Como se já estivesse em seus planos a virada nacionalista de sua política, então o premier decidiu dar seu apoio. “Ofereceu-me uma bandeira e conversamos um longo tempo”, contou certa vez. “De imediato, compreendi que ama seu país e o compreende. De todos os chefes do Kremlin, depois de Stalin, é o que tem uma visão mais ampla. Como eu, vale repetir, pensa que a Rússia é o único país capaz de salvar o mundo da derrocada moral.”
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