O presidente egípcio Mohamed Mursi conseguiu a aprovação de um polêmico projeto de Constituição, mas o seu poder é desafiado pela crise econômica, pela mobilização da oposição e pelas preocupações internacionais.
Os resultados oficiais anunciados na terça-feira deram 63,8% ao "sim", uma confortável maioria que é, no entanto, acompanhada por uma fraca participação de 52 milhões de eleitores, que corresponde a apenas 32,9% dos egípcios registrados a votar.
Mursi assinou o decreto de aplicação do texto. A presidência e seus partidários acreditam que esta nova lei ajudará a estabilizar o país, que atravessa uma transição caótica desde a derrubada de Hosni Mubarak, em fevereiro de 2011.
O primeiro-ministro, Hisham Qandil, assegurou que não havia "derrotados" e que a Constituição seria a de "todos os egípcios", apesar de semanas de protestos que, por vezes, degeneraram em confrontos sangrentos entre os dois lados.
A oposição, que acusa a Constituição de abrir caminho para uma islamização crescente da lei e de oferecer poucas garantias para certas liberdades, reiterou que continuará a buscar a invalidação da votação, marcada por fraudes e irregularidades, segundo ela.
A oposição, fragmentada e quase inaudível desde a eleição em junho de Mursi, também prometeu reforçar sua unidade e reiniciar a combatividade, com novos protestos marcados para os próximos dias.
Um primeiro teste para o presidente deve ocorrer com as eleições legislativas, previstas para acontecer em dois meses, para renovar a Câmara dos Deputados, dissolvida em junho.
Até a eleição, a adoção da Constituição deve se traduzir na transferência ao Senado da totalidade do poder Legislativo, que por enquanto repousa nas mãos de Mursi.
"Tensões políticas agravadas por uma grave crise econômica"
As tensões políticas são agravadas por uma grave crise econômica. O governo decidiu limitar a quantidade que qualquer viajante pode fazer entrar ou sair do país a 10.000 dólares em moeda estrangeira, uma medida para limitar os fluxos de capital impostos sobre a libra egípcia, informou a imprensa estatal.
As reservas de divisas do Egito diminuíram de 36 bilhões de dólares para 15 bilhões desde a queda de Hosni Mubarak, grande parte delas utilizadas para apoiar a libra em relação ao dólar.
O Egito enfrenta há quase dois anos uma forte queda nas receitas do turismo e um colapso nos investimentos estrangeiros.
A crise política provocou o adiamento de uma decisão muito aguardada do Fundo Monetário Internacional (FMI) sobre um empréstimo de 4,8 bilhões de dólares para o país.
O governo também congelou os aumentos de impostos que teriam ajudado a reduzir o déficit orçamentário, mas que poderia provocar um surto de agitação social.
O empréstimo do FMI foi originalmente programado para dezembro, mas pode ser adiado até depois das eleições de março, considerou Mona Mansour, economista da empresa CI Capital. "Terão que tranquilizar as pessoas sobre o fato de que o empréstimo não vai pesar sobre elas", declarou.
"A rua egípcia tem medo", era a manchete do jornal do governo Al-Ahram após a decisão da Standard & Poors de rebaixar a nota do Egito de "B" para "B-".
Em nível internacional, os pontos conquistados por Mursi com a mediação do conflito entre israelenses e palestinos de Gaza, em novembro, deram lugar à ansiedade.
Os Estados Unidos pediram na terça-feira que Mursi coloque "um fim às divisões" e "amplie o apoio ao processo político". Washington reconheceu que "muitos egípcios expressaram sua profunda preocupação com o conteúdo da Constituição".
A chefe da diplomacia europeia, Catherine Ashton, convocou o presidente egípcio a "restaurar a confiança na democracia".