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Da prisão à Primavera Árabe, ativista histórico da Tunísia continua a protestar

Quando Fathi Ben Haj Yahia tenta explicar a transição problemática da Tunísia desde que a revolução derrubou quase 60 anos de ditadura quatro anos atrás, ele conta uma parábola.

“Se Marx e Freud chegassem hoje à Tunísia, eles iriam reescrever suas teorias”, ele afirmou dando uma gargalhada. “A situação aqui é kafkiana.”

Diretor de escola, ex-prisioneiro político, panfletário marxista, escritor e pensador, Yahia disse que a Tunísia confundiria os grandes filósofos, mas, no entanto, lamentou que os teóricos políticos do país tivessem fracassado na criação de algo novo a partir do levante popular de 2011 que desembocou na Primavera Árabe.

“Nós não sabíamos como começar. Não tínhamos nem um Che Guevara nem um (aiatolá Ruhollah) Khomeini”, ele declarou com tristeza. Em vez disso, os tunisianos pegaram um líder, o presidente Beji Caid Essebsi, 88 anos, das “gavetas da História”.

Ativista político desde os 15 anos de idade, quando foi preso nas manifestações estudantis em Túnis no final da década de 60, Yahia teve uma vida de resistência e oposição em cinco décadas grandiosas no Oriente Médio: protestos estudantis, campos de treinamento palestinos, tortura e prisão durante a ditadura e anos de exílio e exclusão das instituições públicas.

Ele é o autor de “A prisão não existe... Nós sempre voltamos para casa: Fragmentos de uma história da esquerda sob Bourguiba”, um dos relatos mais aclamados da oposição e da prisão durante a ditadura do primeiro presidente da Tunísia, Habib Bourguiba. É uma narrativa cativante, muitas vezes engraçada, de seu ativismo que ilumina o passado, mas também o país hoje em dia.

Ele vê os problemas no Oriente Médio pelo prisma do colonialismo e interferência das grandes potências mundiais. “Nós nos encontramos em impasses e dilemas que estão além de nós. É como dar 36 milhões de nós no seu sapato e dizer: ‘Pode desamarrar.’ E então criticá-lo por não ser capaz ou não ter a capacidade de desamarrá-los.”

Aos 62 anos, ele continua o rebelde cheio de energia que questiona com humor. “Sou um marxista que mata aula”, ele disse alegremente, um agnóstico que mergulha com frequência na ideia de Deus.

Nascido em Bab Souika, o coração operário da capital, Túnis, ele cresceu dividido entre o mundo instruído do pai, escritor e educador famoso, e a pobreza dos amigos do bairro.

“Já existia um lado rebelde, um sentimento de injustiça em primeiro grau que se encontra entre adolescentes. Então, na área menos carente, eu tinha amigos que gostavam de cultura, tinham dinheiro para comprar jornais que falavam de Che Guevara, Malcolm X, Elijah Muhammad. Era a época do desfraldar da militância negra, e também da resistência palestina. Naquele tempo, e antes da Palestina, também havia o Vietnã.”

Rindo, ele acrescentou: “Nessa idade, a pessoa precisa criar heróis, e não se tratava do Batman nem do Homem-Aranha”.

Existem dois motivos para um jovem ser atraído para o ativismo político, ele escreve: agradar as garotas e ganhar status entre os colegas. Ele disse que compareceu à primeira reunião política somente por causa de uma garota maravilhosamente linda.

Atraído ao ativismo politico, ele participou de um movimento socialista clandestino chamado Perspectiva, distribuindo panfletos e organizando greves. Ele escapou à primeira onda de prisões quando estava na Universidade de Túnis, em 1973, fugindo para a França graças em parte a um policial amigo do bairro.

Em Paris, ele estudou na Sorbonne e mergulhou fundo na militância. Ele viajou com um grupo de estudantes para o Vale do Beqaa, Líbano, para treinar com guerrilheiros palestinos em outubro de 1974. O objetivo era aprender a autodefesa já que seu movimento na Tunísia estava sendo dizimado pelas prisões. “Havia uma tendência no grupo sobre até onde deveríamos permitir ser presos.”

Ele brinca alegremente com a ideia de um grupo de estudantes esquerdistas fundarem um exército popular na Tunísia. Porém, escreve sobre como a causa palestina exercia fascínio e romantismo sobre a “juventude do mundo inteiro”. O episódio no Vale do Beqaa inspirou “uma emoção que me fez sentir como se estivesse vivendo as horas mais bonitas da minha vida”.

Entusiasmado, ele entrou clandestinamente na Tunísia com um amigo para tentar reabastecer as fileiras arrasadas pelas prisões, mas foi preso cinco meses mais tarde.

Seu ativismo juvenil lhe dá uma compreensão pronta dos milhares de jovens muçulmanos – boa parte deles da Tunísia – que fugiram para lutar na Síria e executaram ataques terroristas em casa, incluindo o massacre de 38 turistas no hotel na praia em junho. O intelectual atribui seu desamor a um sistema de educação falido e à falta de oportunidades que deixa os rapazes sentados em casa “se sentindo um inseto”.

“Existe algo particular nos muçulmanos. Quando leio, sinto o comportamento de uma pessoa que viveu um passado glorioso – em nossas consciências, não na nossa experiência –, por isso o sentimos com tanta força. E, agora, na busca para encontrar essa honra, existe uma voracidade para encontrá-la outra vez e novamente se apossar dela.”

Yahia enfrentou cinco anos de tortura e encarceramento nas famosas prisões de Bourguiba e conta a experiência com humor cáustico, atitude que aprendeu com o pai que adorava colecionar versos de humor árabe.

Ele abre o livro com o relato raro de ficar cara a cara com Bourguiba quando quatro esquerdistas foram levados de suas celas até o palácio presidencial. O ditador estava analisando a libertação geral dos esquerdistas e queria ver os líderes com os próprios olhos.

Yahia descreve Bourguiba, então enfermo e divagante, como ainda aterrorizador, enquanto caminhava pela sala, criticando os ministros por torturarem prisioneiros e depois dizendo aos prisioneiros que eles mereciam uns bons tabefes.

Libertado em 1980, Yahia, a exemplo de todos os prisioneiros políticos impedidos de trabalhar em instituições públicas, partiu novamente para a França, onde ganhou a vida como tradutor.

Ele voltou à Tunísia em 1987 e passou a vida à margem, primeiro tomando conta de uma lanchonete, depois trabalhando nos últimos 20 anos como diretor de uma escola primária particular. Yahia escreveu para o jornal do Partido Comunista, que veio a ser legalizado, fazendo indagações e debochando durante outros 23 anos de ditadura depois que Zine El Abidine Ben Ali derrubou Bourguiba em um golpe.

Embora a Tunísia agora seja livre, ele não está satisfeito. Yahia critica os líderes e teóricos políticos, especialmente de esquerda, por não desenvolverem uma nova visão.

O país se dividiu em duas tendências de pensamento político, nenhuma delas nova, ele contou. Uma é a nostalgia pelo estatismo autoritário de Bourguiba (esquecendo convenientemente as partes ruins de sua ditadura), a outra é o islamismo, que após ser proibido durante muito tempo tem tirado proveito de um grande reservatório de sentimentos.

Apesar dos sindicatos poderosos da Tunísia, a esquerda continua pequena e radical, concentrada em greves. Yahia observa com alguma nostalgia os grandes movimentos sociais da América Latina.

“Aquele denominador comum no qual as pessoas podem se reconhecer, numa ficção, numa esperança, que atrai as pessoas rumo a um horizonte – coisas que ainda não aconteceu aqui.”

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