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Depois do Brexit, até mesmo o fim do bloco é possível, diz ex-comissário da UE

 | Niklas Halle'n/AFP
(Foto: Niklas Halle'n/AFP)

Para o ex-comissário da União Europeia (UE) Günter Verheugen, o bloco precisará sofrer mudanças profundas que decidirão seu futuro, como a descentralização e a diminuição da burocracia. Ele acrescenta que a aversão da população dos países-membros ao bloco subiu com as crises dos refugiados e do euro.

Como o responsável pelo maior projeto de ampliação da UE, incluindo o ingresso dos países do Leste Europeu, como o senhor vê a saída do Reino Unido do bloco?

Eu estou, como todos, em estado de choque. Mas gostaria de lembrar que o Reino Unido, que agora deixa a UE por ser contra a imigração da mão de obra dos novos membros do Leste, foi o país que, na época, mais defendeu o ingresso das nações do antigo bloco comunista na organização. Hoje, esses imigrantes são vistos de forma crítica e foram o assunto que mais carregou de emoções o debate.

Como fica a UE depois do Brexit?

A UE, que proporcionou o mais longo período de paz no continente, sofre a maior crise em seus quase 60 anos de história. A ideia é absurda, mas depois do Brexit, até mesmo o fim do bloco é possível. De um lado, há o excesso de centralismo, burocracia e aumento da competência da UE, ou da sua cúpula, o que faz com que muitos vejam-se comandados por uma espécie de tutela estrangeira. Essa aversão, que parte da visão da UE como se esta fosse um imperialismo de fora, alimenta o programa de muitos partidos europeus que cresceram combatendo a UE, como a Frente Nacional, o AfD etc. Por outro lado, vejo na iniciativa do Reino Unido de deixar o bloco também uma tendência mundial antiestablishment, que tornou possível fenômenos como o candidato republicano americano Donald Trump, (Geert) Wilders na Holanda, (Marine) Le Pen na França. Essa tendência volta-se não só contra a política, mas também contra a imprensa tradicional.

É necessário que as pessoas sejam informadas sobre a importância da existência do bloco para a economia, a democracia e a paz nos seus países.

Na sua opinião, quais países poderão seguir o Reino Unido?

Não quero fazer previsões, mas todos conhecem os países que já vinham ameaçando deixar o bloco... Eu citaria os países escandinavos, a Holanda, a França, a Polônia...

Que medidas a UE pode tomar para evitar a sua desintegração?

A UE precisa passar por reformas radicais que deverão ter em vista reduzir o excesso de competência do bloco. Bruxelas não precisa regular tudo, e deve se concentrar nas suas atividades mais importantes. Por outro lado, é necessário que as pessoas sejam informadas sobre a importância da existência do bloco para a economia, a democracia e a paz nos seus países. Atualmente, a UE sofre de uma imagem muito negativa. Outro aspecto importante é que a UE deve reduzir o centralismo, sem abrir mão de continuar apta para a resolução de crises. Atualmente, há duas crises graves para as quais a UE ainda não encontrou solução: a dos refugiados e a do euro. Não solucionar essas duas crises aumenta a aversão da população dos países-membros ao bloco.

O que mudou? Antigamente, os países lutavam para conseguir ingressar na UE...

Era outra época. Depois do euro e do Acordo de Schengen, de fronteiras abertas entre os países signatários, a UE começou a ser vista de forma crítica. Mas acho que a crise começou em 2005, quando o projeto da Constituição europeia foi recusado por França e Holanda. Depois veio a crise do euro, uma crise depois da outra que abalou a imagem da organização porque nenhuma delas foi solucionada. Houve grande perda de credibilidade. Outro aspecto é que é muito difícil um consenso entre 28 países (27 sem o Reino Unido). Os processos de decisão ficaram muito complexos.

Quem perdeu mais com o Brexit, o Reino Unido ou a UE?

Os dois perderam muito. Trata-se de uma catástrofe. O sonho da União Europeia como uma opção de poder político e econômico parece hoje bem mais distante. Por outro lado, acho que a negociação deve ser feita de forma pragmática, sem nenhum desejo de vingança. Essa negociação é importante para os dois lados. Mesmo depois do Brexit, o Reino Unido pode continuar sendo um importante parceiro comercial da UE, importante demais para ser isolado. Há exemplos sobre como isso funciona com países que não são membros do bloco. Por outro lado, Londres precisa aceitar as regras, como fazem os outros países que têm acordos com a UE. Sem consenso, não há chance de acordo.

Com a saída do Reino Unido aumenta o peso da Alemanha na UE?

Esta seria a consequência natural, mas os vizinhos europeus não veem com bons olhos uma liderança alemã. Sem Londres, o papel de Berlim cresce, mas isso gera um outro problema. Por motivos históricos, uma liderança alemã não é aceita pelos outros membros porque desperta desconfiança. O papel da Alemanha é, sem dúvida, muito importante. Mas não acho que Berlim vá usar a situação para aumentar o seu poder de influência. A chanceler Angela Merkel preferiu um tom sóbrio, porque sabe que só temos a perder se houver confrontação agora. A UE precisa encontrar um caminho de superar melhor essa crise. De outra forma, acabará deixando de existir, o que seria um retrocesso histórico. Nós, alemães da minha geração, crescemos tendo a UE como uma garantia da paz e de prosperidade. Isso vale sobretudo para os mais velhos, que ainda têm na cabeça as imagens da época de guerras e hostilidades entre os países europeus. Eles observam a crise com preocupação.

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