A impressão que se tem é que só alguém saído dos livros poderia fazer tanta coisa: reduzir a mortalidade infantil, evitar o choro de mães, disseminar uma fórmula simples para amenizar o sofrimento de inúmeras pessoas
Uma frase famosa do Talmude diz: "Aquele que salva uma vida salva o mundo inteiro". Creio que a passagem serve como um incentivo a atitudes em benefício do próximo. Não temos como salvar o mundo todo. O máximo que conseguimos, às vezes, e quando muito, é apoiar uma única pessoa. Mas, a cada tempo, aparece alguém que desmente a regra. E que, sabe-se lá com que forças, consegue fazer algo extraordinário. Zilda Arns foi assim. Enquanto nós corremos para apagar os pequenos incêndios das nossas vidas, ela abraçava o mundo. Enquanto nós temos de nos virar para fazer o que nos parece impossível (pagar as contas, ter tempo para a família, resolver um problema no trabalho) ela salvava gerações.
É difícil, quando a gente vê alguém assim, imaginar que se trata de alguém que poderia, muito bem, estar preso aos próprios problemas, como nós. A impressão que se tem é que só alguém saído dos livros poderia fazer tanta coisa: reduzir a mortalidade infantil, evitar o choro de mães que perderiam seus filhos para a fome, disseminar pelo terceiro mundo uma fórmula simples que pode tornar saudáveis pessoas que, de outra maneira, estavam destinadas ao sofrimento.
Mas Zilda Arns fez tudo isso. Sem estar no governo. Sem ter sido designada por ninguém. Sem ter nascido com milhões nas mãos. Simplesmente foi e fez. Claro, não fez sozinha. Mas essa foi justamente a beleza de seu trabalho. Mobilizou milhares em torno de um mesmo objetivo, de um mesmo sonho. Comandou, da fragilidade de um só corpo, uma nação inteira de voluntárias dispostas a salvar nossas crianças.
Seu esforço mudou o país. E correu o mundo. A Pastoral da Criança, fundada e tocada por ela durante mais de 25 anos, se tornou um símbolo daquilo que nós podemos fazer quando unidos, quando movidos por um bom ideal. E quando bem inspirados por um belo exemplo.
Sua morte, com o corpo esmagado por escombros no meio do país mais pobre das Américas, veio mostrar que, sim, ela era só uma pessoa. Uma senhora idosa. Que fez o que pôde para mudar o mundo à sua volta. Sua vida foi um exemplo. Sua morte também: nos faz ver que, no fundo, por mais difícil que pareça, nós podemos fazer muito mais do que pareceria possível para uma só pessoa.
Dra. Zilda trabalhou muito. Que descanse em paz. Agora o trabalho está em nossas mãos.
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Rogerio Waldrigues Galindo é editor de Vida e Cidadania da Gazeta do Povo
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