| Foto: PORAS CHAUDHARY/NYT

Betsy Broder, responsável por registrar fraudes internacionais na Comissão Federal de Comércio dos EUA, estava em seu escritório em Washington no ano passado, quando recebeu um telefonema de dois adolescentes indianos. Ligando de um arranha-céu em um subúrbio de Mumbai, eles disseram em um tom de voz que variava do sério ao melodramático que queriam compartilhar detalhes sobre uma enorme operação criminal cujo alvo eram os norte-americanos. Betsy, que já tinha experiência com denúncias desse tipo, pressionou os jovens para obter mais detalhes.

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“Ele disse que seu nome era Adam”, afirmou, referindo-se a um dos dois garotos. “Eu disse que aquele não era o nome dele e perguntei como era chamado pela avó. ‘Babu’, ele disse”. Babu é Jayesh Dubey, um jovem magro de 19 anos, com o cabelo espetado com gel, como uma escova de chaminé. Ele disse que trabalhava em um prédio de sete andares onde todos se dedicavam à mesma atividade: imitar autoridades do fisco e ameaçar os americanos, exigindo o pagamento imediato de impostos atrasados.

Se eles percebessem que a pessoa estava assustada o bastante, ou que parecesse suficientemente crédula – o que chamavam de uma “venda” –, instruíam-na a gastar milhares de dólares em cartões do iTunes para não serem processadas, afirmou; os mais assustados concordavam. Em seguida, a vítima enviava os códigos dos cartões da iTunes para os vigaristas, permitindo que eles tivessem acesso ao dinheiro do cartão.

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Na verdade, o governo dos EUA já acompanhava o esquema indiano desde 2013, quando os norte-americanos – especialmente os imigrantes mais recentes – perderam mais de US$ 100 milhões.

Embora a Índia não fosse conhecida por atividades dessas proporções no passado, o país se converteu em um centro de fraudes digitais, afirmou Suhel Daud, agente do FBI que atua como adido legal na embaixada americana em Nova Délhi. Muitas tendências convergiram para que isso ocorresse, afirmou: um salto no número de jovens com domínio do inglês e capacitados em computação; a cultura generalizada do call-center; tecnologias supereficientes; e muita esperteza.

“Eles encontraram uma fórmula muito funcional. Junte tudo isso, mais o público indiano nos EUA e pronto. Dá pra ganhar 10 vezes mais dinheiro desse jeito”, afirmou Daud.

Pawan Poojary e Jayesh Dubey, melhores amigos e ex-estudantes universitários, ficaram impressionados com o call-center da Phoenix 007 em Thane, um subúrbio a noroeste de Mumbai. Os entrevistadores tinham iPhones; motos esportivas estavam estacionadas em frente ao prédio e, nas palavras de Poojary, “havia meninas por todo o lado”. O salário mensal estava na média: 16.000 rupias (cerca de US$ 230 ao mês), afirmaram, mas os bônus eram duas ou três vezes mais altos que isso, tudo com base nas vendas.

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Por enquanto, tudo o que os dois amigos faziam era passar o dia todo jogando videogames, fazendo pausas esporádicas para comer. Eles queriam entrar. “Na época, só pensava no dinheiro. Era isso. Queria o dinheiro e pronto”, afirmou Poojary, de 18 anos.

Eles contam que foram participar de um treinamento em uma sala cheia de jovens indianos como eles, os primeiros da família a serem educados em inglês. Havia muita expectativa depositada neles na Índia: o pai de Poojary, que era dono de duas serralherias, era claro ao dizer que seu filho deveria alcançar postos mais altos na sociedade, como um emprego em escritório. Poojary tinha medo de dizer que havia abandonado a universidade.

O homem responsável pelo treinamento escolheu nomes para os dois: Paul Edward e Adam Williams, entregando em seguida um roteiro de seis páginas: “Meu nome é Shawn Anderson, da área de relações jurídicas do Departamento do Tesouro dos EUA”, contam os adolescente. “Nós lemos o roteiro e perguntamos se aquilo era uma fraude. Ele respondeu que sim”, afirmou Poojary. “No momento estou com a grana curta. Pensei que não teria importância fazer aquilo”, acrescentou.

Inaben Desai, de Sugar Land, Texas, chegou em casa depois de fazer as compras e a mãe lhe passou o telefone com os olhos arregalados. Alguém do governo estava na linha. Eles já haviam ligado três ou quatro vezes desde que a filha havia saído.

Inaben, de 56 anos, era caixa no Wal-Mart. Quando atendeu o telefone, um homem de voz grossa afirmou que ela não havia pago os impostos necessários desde que havia recebido a cidadania norte-americana, em 1995, e que se não regularizasse a situação, seria deportada para a Índia, contou. Quando ela disse que precisaria ligar para o marido, uma mulher entrou na linha, conversando em tom simpático em Gujarati, sua língua materna.

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“Segundo ela, ‘Se ela envolvesse o marido, os problemas seriam ainda maiores. Seu marido também vai se meter em encrenca. É melhor não envolvê-lo”, afirmou Inaben.

Inaben começou a chorar. Ainda na linha com a mulher, pegou todo o dinheiro que tinha em mãos e foi até a loja mais próxima, onde gastou US$ 1.386 em cartões de débito pré-pagos. Então, a mulher a instruiu a ir até o banco e transferir quase US$ 9 mil para a conta de uma pessoa chamada Jennifer, na Califórnia, enviando um fax com a confirmação e com detalhes confidenciais sobre a conta.

“A mulher do banco tentou me parar e disse que aquelas informações eram pessoais, mas eu estava muito assustada e enviei todos os dados porque não sabia o que iria acontecer com a minha família”, afirmou Inaben. Os golpistas, que tiveram acesso ao extrato bancário, ligaram novamente para exigir outra soma de quase US$ 9 mil. Ela precisou ir até outro banco para fazer a transação. O total transferido foi de US$ 17.786, quase tudo que havia poupado.

Poojary não foi o responsável pelo caso de Inaben, que ocorreu em 2014. Uma conversa similar o fez entrar em contato com o governo dos EUA. Ele se lembra de falar com uma mulher chamada Regella, que implorava para que ele lhe desse algum tempo. Poojary se sentiu tão mal que foi conversar com o supervisor, que disse que ele deveria pressioná-la ainda mais. “Me senti muito culpado na época. Também somos indianos. Não temos dinheiro. Eles também não têm dinheiro”, afirmou.

A fraude ficou conhecida como “Mira Road”, o mesmo nome do bairro onde os fraudadores trabalhavam, ocupando um dos sete andares de um edifício no início de 2016. Poucos meses depois, eles já ocupavam o prédio todo. “A coisa cresceu. E quando esse tipo de esquema cresce, começam a deixar pistas”, afirmou Daud, o agente do FBI.

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Nitin Thakare, inspetor sênior da polícia no setor de crimes de Thane, não fala muito a respeito da pessoa que entrou em contato com ele em setembro para avisar sobre a Mira Road.

Contudo, descreve alegremente a batida policial nos mínimos detalhes: tudo aconteceu às 22h, logo depois que o turno da noite começou. Duzentos policiais subiram a escada principal, bloqueando todas as saídas e detendo as 700 pessoas que trabalhavam no local.

“Esses são os jovens do nosso país. Foram transviados. No começo pode parecer muito chique. Você aprende um novo sotaque, todo mundo fuma, há mulheres por perto. Isso é liberdade e vida noturna. Os jovens adoram isso”, afirmou Thakare.

A polícia afirmou que outras pessoas, como o dono do prédio alugado para os golpistas, se perguntavam porque as autoridades se preocupavam tanto com isso. “Ele não entendeu o que aconteceu”, afirmou Parag Manere, vice-comissário de polícia. ‘Não estamos enganando ninguém na Índia! Estamos sacaneando os americanos! E os americanos sacaneiam todo mundo!’”.

Os policiais entrevistaram e liberaram 630 trabalhadores do call-center, prendendo os 70 funcionários dos escalões mais altos.

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A polícia percebeu que eles haviam encontrado apenas uma filial de uma rede muito mais ampla. Cinco dias depois, a polícia organizou uma segunda batida, em Ahmedabad, Gujarat, onde funcionava o centro nervoso da operação. O Departamento de Justiça dos EUA chegou à mesma conclusão: desde então, mais de 1,8 milhões de ligações foram conectadas a cinco call-centeres em Ahmedabad, onde vários golpes foram realizados contra mais de 15 mil pessoas nos EUA, causando um prejuízo de centenas de milhões de dólares.

Quando a polícia chegou ao centro em Ahmedabad, a gangue havia desaparecido. “O lugar que invadimos era um call-center com mais de mil atendentes”, afirmou Manere. “Quando chegamos estava tudo vazio. Vazio. Não havia nada. Nem um pedaço de papel. Só salas e mais salas vazias.”