Respondendo a perguntas por e-mail à Gazeta do Povo, Paulo Daniel Farah, professor de Língua, Literatura, História e Cultura Árabe e Islâmica na Universidade de São Paulo (USP), fala sobre o Islã e as reações causadas pelo 11 de Setembro. Autor do livro O Islã, parte da série Folha Explica (Publifolha), Farah argumenta que os países que recebem imigrantes muçulmanos precisam reconhecer o caráter multicultural de suas sociedades.

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A islamofobia foi uma das consequências mais tenebrosas do 11 de Setembro. O senhor acha que ela perdeu a intensidade com passar dos anos?

Reduziu-se um pouco em ações que envolvam violência física de pessoa contra pessoa (embora tenham crescido as intervenções militares em países de maioria islâmica), mas se mantém forte em expressões diversas que vão desde a forma como o Islã é retratado em filmes, livros e outras produções até as leis e os movimentos em prol da segregação. Em muitos países, os estrangeiros em geral, e os adeptos de religiões minoritárias em particular, são descritos como problemas, não como fontes de renovação e contribuição, o que ajuda a isolar essas comunidades. Os países que têm imigrantes muçulmanos precisam entender que sua sociedade está em constante mudança e que é preciso levar em consideração esse caráter – por vezes novo – heterogêneo e multicultural. Como diz o antropólogo Edward Hall, "um dos modos mais efetivos de aprender sobre si mesmo é levando a sério a cultura dos outros", e isso se aplica a todos os lados.

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Qual é a situação dos muçulmanos hoje no mundo ocidental? Há diferenças entre os EUA, a Europa e o Brasil?

Há diferenças de acordo com a região. Nos Estados Unidos, após os atentados terroristas de 11 de Setembro de 2001, o discurso da "luta do bem contra o mal" permitiu a detenção de estrangeiros com base em critérios puramente étnicos ou religiosos e serviu de estímulo à realização de ataques. Na Europa, discursos sobre a "superioridade da civilização ocidental" serviram de pretexto para ações de xenofobia e intolerância religiosa. No Brasil, a discriminação é pequena. No século 19, africanos muçulmanos lideraram diversos movimentos de libertação de escravos negros no país. Foram responsáveis pela Revolta dos Malês, o principal levante de escravos urbanos no continente americano. Havia milhares de escravos muçulmanos no Brasil. O centro que dirijo, a BibliASPA, organizou com o CCBB em 2010 e 2011 uma grande exposição sobre o Islã, que foi considerada a maior exposição temática do mundo em 2010, o que demonstra o interesse dos brasileiros pelo tema. No país há mais de cem salas de oração e mesquitas, incluindo a primeira da América Latina (inaugurada em 1956). Em Curitiba, a BibliASPA oferece aulas de língua e cultura árabe gratuitamente, assim como em outras cidades da América do Sul.

Nas pesquisas que o senhor fez para o livro O Islã, parece ter encontrado várias histórias de muçulmanos que foram maltratados nos Estados Unidos. Alguma delas o marcou mais?

Muçulmanos ou estrangeiros confundidos com muçulmanos foram mortos porque tinham feições árabes ou usavam turbante – entre eles, um indiano sikh e um egípcio copta (cristão). Houve também o caso de uma moça muçulmana de 28 anos, grávida de sete meses, que morreu no atentado e foi inclusa em uma "lista de observação". Posteriormente, ela foi retirada da lista, mas não antes de que vários de seus parentes tivessem sido impedidos de tomar um avião para participar das cerimônias fúnebres em Boston. É importante que nenhum país se deixe levar por discursos de extremismo, sejam eles vinculados a qualquer religião ou movimento político.

Não é possível tentar entender o mundo hoje e ignorar o islamismo. O senhor concorda com essa afirmação? Poderia, por favor, explicar a sua posição?

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O Islã é fundamental para compreender o mundo contemporâneo. Cerca de um quarto da população mundial é muçulmana, são mais de 1,5 bilhão de pessoas, e essa é a religião majoritária em mais de 50 países. Há muito mais similaridades entre o Islã e outras religiões do que se imagina. Essa é uma das religiões monoteístas e abraâmicas. Nesse sentido, é fundamental conhecer suas origens, fontes sagradas, avanços científicos e culturais, celebrações e pilares.

Permanece aberta a discussão em torno da construção de uma mesquita em Nova York, a duas quadras do Marco Zero. Há quem ache a obra uma afronta às vítimas do 11 de Setembro e também um líder islâmico que concorda que a mesquita pode ser um equívoco e gerar tensões desnecessárias. O que pensa a respeito dessa polêmica?

O debate não deve girar em torno de uma polêmica construída, mas ser amplo e abordar as relações entre diferentes grupos religiosos em diversos países. A comunidade deve se envolver no debate para que ele não sirva de instrumento político nas mãos de grupos minoritários em nenhum dos lados.

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