Radicada em Nova York, Adriane Bonato tinha um vínculo emocional com as Torres Gêmeas do WTC e as visitava com frequência| Foto: Valterci Santos/Gazeta do Povo
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Adriane Bonato, empresária curi­­tibana de 37 anos radicada em Nova York desde 1995, levou sete anos para conseguir falar sobre o 11 de Setembro, dois meses para entender o que havia acontecido naquela manhã de terça-feira e três dias para sair de um estado de choque que a imobilizou.

A história de como sobreviveu é extraordinária. Depois de ter ficado presa em um elevador no instante em que o primeiro avião fulminou a Torre Norte, ela desceu 14 andares a pé e saiu para a rua, onde, pouco depois, foi engolida pela fumaça de concreto quando as torres vieram abaixo, uma em seguida da outra.

Adriane está em Curitiba para rever a família, mas deve voltar para Nova York nos próximos dias. Ela conversou com a Gazeta do Povo e aceitou ser fotografada em um dos cartões postais da cidade, o Jardim Botânico. Entre um e ou­­tro compromisso (e dias de chuva forte), foi sorte pegar a tarde ensolarada da última quinta-feira.

Nos anos 1990, quando decidiu estudar inglês e viajar para os EUA, pesquisava lugares possíveis para morar. A imagem das Torres Gêmeas a fascinou tanto que to­­mou a decisão de ir embora para Nova York.

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Criativa e empreendedora, Adriane trabalhou (e trabalha) em várias áreas, produzindo espetáculos de stand-up comedy, montando programas de tevê e investindo em um site de compras co­­le­­tivas. A vida teve de continuada de­­pois da tragédia, mas não há cicatrizes. "É uma ferida aberta", diz.

Ela lembra que costumava ir ao World Trade Center (WTC) pelo menos uma vez por semana. Pou­­co antes, atuando como guia, chegou a visitar o complexo de prédios todos os dias, acompanhando grupos de turistas.

Em 2001, estava prestes a fe­­char uma negociação com o ge­­rente do restaurante Windows on the World, no topo da Torre Norte, para um evento que gostaria de realizar naquele espaço. A reunião para selar o acordo deveria acontecer no dia 10 de setembro, mas um imprevisto fez com que o gerente adiasse para o dia 12.

Adriane pediu para antecipar a data porque, no dia 12, viajaria ao Brasil fazendo uma surpresa no aniversário da mãe, que mora em Curitiba. Então a reunião fi­­cou para o dia 11, pela manhã. Se­­ria antes de 9 h porque o gerente tinha outro compromisso em seguida.

Ela só se deu conta de que estava sem o contrato quando se sentou diante do homem, já no restaurante. No caminho para a Tor­­re Norte, Adriane passou para ver uma amiga que trabalhava em um café da Canal Street, a duas quadras do WTC. Conversaram durante um tempo e o envelope com o documento acabou ficando lá.

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Pediu alguns minutos para cor­­rer de volta ao café e apanhar o contrato. Entrou no elevador e...

O voo 11 da American Airlines, um Boeing 767 saído do aeroporto de Logan, em Boston, se desintegrou ao bater na Torre Norte a 750 km/h, desaparecendo entre os 94.º e 98.º andares.

Adriane estava na altura do 14.º. Sentiu o choque e o cheiro de queimado. Não sabe dizer quanto tempo demorou até que um bombeiro abrisse as portas, mandando todos descerem pelas escadas e saí­­rem do prédio, que pegava fogo.

Quando chegou ao saguão de entrada, olhou para fora, através das paredes de vidro, e percebeu que não se tratava de um incêndio. Era algo pior, mas ainda não sabia o quê.

No caos exterior, atordoada por sirenes e pela movimentação das pessoas, Adriane foi atingida com violência e caiu. Pessoas correndo não conseguiam desviá-la. Até que alguém a levantou do chão e a obrigou a correr. Então percebeu que o impacto que a derrubou foi o de um corpo vindo de cima – alguém havia saltado da torre para escapar do fogo e se espatifou bem ao seu lado.

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Começou a se afastar do WTC, puxando outros consigo, inclusive os integrantes de uma equipe da rede de tevê CNN. Eram 9h58.

"E aí caíram as torres... Nesse momento, não me lembro de na­­da. Só do barulho, aquela coisa, e de repente um silêncio. Era, primeiro, uma explosão, um barulho... Como é que eu vou falar... É um barulho que eu nunca escutei na minha vida", diz Adriane, usando várias pausas para lidar com a lembrança perturbadora.

"Misturava barulho de explosão com barulho de grito, com barulho de ambulância, com barulho de sirene, com barulho de coisas que estavam estralando e, de repente, tudo começou a tremer, tremer, tremer..."

Ela não sabe ao certo quanto tempo ficou ali, escondida atrás de um furgão, no meio da nuvem de concreto, sem conseguir enxergar nada e respirando com muita dificuldade. Foi pelo me­­nos meia hora, tempo que separa as quedas da Torre Norte e a da Torre Sul.

Em um instante, o som tenebro­­so de duas construções, com 1,8 mi­­lhão de toneladas cada uma, desmoronando. No outro, um si­­lên­­cio que ela descreve como "fú­­nebre".

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Sentindo-se desorientada, a curitibana saiu andando de volta para casa, no bairro do Queens. Ca­­minhou cerca de 80 quadras, não conseguiu entrar em casa, avançou mais alguns metros e che­­gou à casa da sócia, que morava na mes­­ma vizinhança. Desse ponto em diante, não consegue se lembrar de nada. Tudo o que sabe lhe foi contado pela sócia e a filha, que cuidaram de Adriane nos dias seguintes.