Entrevista
"Novo presidente deve governar para todos os venezuelanos"
María Teresa Romero, professora da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Central da Venezuela.
O que mudaria nas relações internacionais da Venezuela com uma vitória de Henrique Capriles?
Mudaria totalmente de rumo porque Capriles propõe uma política exterior verdadeiramente de Estado, não como a atual do presidente Chávez, que não é essencialmente uma política de governo, mas um projeto político ideológico que não atende os interesses de todos nós venezuelanos. A proposta de Capriles prevê uma política exterior apegada à Constituição, ao direito internacional, aos princípios democráticos, à proteção dos direitos humanos e de pluralismo democrático. O candidato da oposição tem disposição de respeitar os tratados internacionais, porém renegociar aqueles que não trazem benefícios para o país, assim como de continuar com nossa política tradicional de cooperação e solidariedade internacional, especialmente petroleira, mas em termos de ganhar-ganhar, quer dizer, proveitosa para ambos os lados, não em detrimento do interesse venezuelano. Como consequência, deixará de dar presentes aos países politicamente alinhados, como tem feito o atual governo.
Como se dará o ingresso da Venezuela no Mercosul?
Será um processo difícil, seja com Capriles ou com Chávez na Presidência. O ingresso apressado da Venezuela no bloco, sem consentimento do Paraguai, cedo ou tarde será revisado. Ademais, para que a entrada no Mercosul traga realmente benefícios, o novo governo venezuelano terá de empreender uma completa política nacional de recuperação econômica, geração de emprego e diversificação das exportações em virtude das assimetrias existentes entre a economia venezuelana e a do resto dos integrantes do bloco. Também será difícil porque entrar no Mercosul implica na adoção do arranjo externo comum do bloco. Isso significa que o próximo governo venezuelano terá de revisar e negociar as taxas que a Venezuela cobra das importações de outros países em especial aos membros da Comunidade Andina em um prazo de quatro anos, conforme fixado no protocolo de adesão.
Quais são os principais desafios do próximo presidente?
A governabilidade é o maior desafio, ganhe Capriles ou Chávez, especialmente se a vitória de qualquer dos lados for apertada, não ampla, porque a Venezuela é uma sociedade polarizada, dividida. Assim, o novo presidente deve governar para todos os venezuelanos, sem sectarismos nem exclusões, para poder ter um piso de governabilidade e minimizar os protestos e violência social. No social, sem dúvida, o principal desafio é o combate à pobreza e à desigualdade. As políticas de Chávez não têm sido suficientes; apesar de serem populares, há muito descontentamento diante do aumento da criminalidade e da delinquência no país.
Países como Cuba, Nicarágua e Guatemala devem estar preocupados com a possibilidade de a oposição vencer as eleições de amanhã na Venezuela. Isso porque o candidato oposicionista Henrique Capriles promete e até colocou como meta em seu plano de governo o fim dos "presentes" dados pelo governo de Hugo Chávez em todo o mundo.
Entre os regalos como se diz em espanhol distribuídos por Chávez, o destaque é a venda a preços preferenciais de milhares de barris de petróleo por dia à Cuba (115 mil barris) e a países da América Central. Capriles diz que não só cortará as doações como também revisará todos os acordos bilaterais feitos pelo governo.
"O candidato da oposição tem disposição de respeitar os tratados internacionais, porém vai renegociar aqueles que não trazem benefícios para o país. Como consequência, deixará de dar presentes aos países politicamente alinhados, como tem feito o atual governo", diz a professora María Teresa Romero, da Escola de Estudos Internacionais da Universidade Central da Venezuela.
As mudanças na política de relações exteriores com uma vitória de Capriles não se darão apenas com o corte das doações, segundo analistas. A previsão é de um novo arranjo regional, com o país se reaproximando do Chile, Colômbia e Estados Unidos. A Aliança Bolivariana para as Américas (Alba), composta por um bloco alinhado ao bolivarianismo criado por Chávez, com destaque para Bolívia, Equador e Cuba, sofreria um sério impacto.
"A Alba não é um bloco de integração, como diz o governo. É um sistema clientelista, em que países dependentes da ajuda da Venezuela aderem ideologicamente em troca de auxílio. Esse esquema tem que mudar, ou a Alba tende a desaparecer com uma vitória da oposição na Venezuela", diz Adolfo Salgueiro, especialista em Direito Internacional e membro da equipe do programa de governo de Capriles.
Na lista de doações do governo e criticada por Capriles está até um patrocínio de US$ 930 mil à escola de samba carioca Unidos de Vila Isabel, feito pela PDVSA, a estatal petroleira.
O governo rebate e diz que não são doações, mas acordos que também trazem benefícios à Venezuela. No caso de Cuba, foram enviados à Venezuela cerca de 30 mil médicos, que são responsáveis pelo atendimento primário da população, algo parecido com o médico de família. Há ainda dentistas e professores de educação física, entre outros profissionais, trabalhando nas favelas e bairros mais pobres.
Na relação com países considerados inimigos dos EUA, como o Irã, enquanto o governo propõe ampliar o intercâmbio, Capriles defende o rompimento das relações.
Brasil
As trocas com o Brasil não serão afetadas com Capriles na Presidência, mas para alguns analistas existem pontos que serão revistos.
"Não há razões para mudar. Os dois países tem boas relações, a presidente Dilma Rousseff tem sido prudente, democrática e menos radical que Lula. O que precisa ser feito é a correção dos desequilíbrios no comércio bilateral. Hoje a balança comercial é muito favorável ao Brasil, o que é ruim para os venezuelanos", observa Salgueiro.
Nos bastidores chavistas a tese de equilíbrio na balança comercial também tem respaldo, mas o governo propõe uma maior troca de investimentos e aposta no Mercosul para abrir as portas aos produtos venezuelanos.
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