No primeiro dia de reuniões pré-conclave, o cardeal americano Francis George, arcebispo de Chicago, afirmou que o próximo Papa deve ter "tolerância zero" em relação a abusos sexuais por parte de clérigos. A declaração é uma rara menção de um alto membro da Igreja Católica ao escândalo que respingou na instituição nos últimos meses - pelo menos no contexto da discussão sobre as qualidades e atributos que deve ter o Pontífice que sucederá Bento XVI.
"Ele obviamente terá que aceitar o código universal da Igreja, que é tolerância zero para qualquer pessoa que tenha abusado de uma criança", afirmou o cardeal em resposta a uma pergunta em uma coletiva de imprensa nesta segunda-feira. "Há uma convicção profunda, certamente por parte de qualquer pessoa que tenha sido um pastor, de que este tema tem que ser continuamente abordado."
O cardeal afirmou ainda que os esforços dos clérigos americanos levou a uma forte redução em relação a casos de abuso relatados. "Mas ainda há vítimas. E a ferida ainda está no fundo de seus corações. O Papa tem de ter isso em mente."
Um defensor de vítimas de abusos sexuais, David Clohessy, da "Rede de Sobreviventes de Pessoas Abusadas por Padres", considerou a afirmação como encorajadora.
"Deve ser um tema a ser tratado e nós estamos contentes de que o cardeal tenha dito que será, de fato", afirmou.
Com base no critério defendido pelo cardeal americano, Salvatore Izzo, especialista em Vaticano da Agência Itália (AGI), conta já ter eliminado de sua lista de papáveis sete ou oito cardeais que participarão do conclave: "O verdadeiro debate no momento diz respeito à santidade pessoal do candidato. Esse vai ser o elemento principal. O candidato deve ser absolutamente íntegro e acima de qualquer suspeita. Não apenas em relação a seu comportamento pessoal, mas também se combateu de forma justa o fenômeno da pedofilia."
Entre os cardeais eliminados por Izzo, o mais óbvio é o também americano Roger Mahony, que estará no conclave apesar de estar sendo investigado sob suspeita de ter acobertado 129 casos de abuso em Los Angeles. Nos EUA, a organização Catholics United coletou dez mil assinaturas em um manifesto exigindo que ele não participe da escolha do novo Papa.
Para os cardeais brasileiros presentes no conclave, os representantes chegam com uma cobrança: querem saber o conteúdo do dossiê secreto entregue ao Papa Bento XVI, pouco antes da renúncia, relatando problemas comprometedores à imagem da Igreja. E os nomes dos responsáveis.
Geraldo Majella, arcebispo emérito de Salvador, veterano na participação em conclaves, foi incisivo: não são apenas os brasileiros que querem saber. "A gente quer saber. Todo mundo está interessado em saber. Por que não foi dado até agora? Eu também estou querendo saber o que tem nesse dossiê", disse.
Além das revelações do dossiê secreto, as reuniões preparatórias desta semana vão decidir uma data importante: o início do conclave, quando os 115 cardeais ficarão trancados e incomunicáveis na Capela Sistina do Vaticano, em meio aos afrescos dos maiores artistas da Renascença, como Michelangelo, Rafael, Bernini e Botticelli.Vaticano não comenta pedido de desculpas
As autoridades do Vaticano não quiseram comentar o pedido de desculpas feito no domingo pelo cardeal escocês Keith O'Brien, que confessou que havia se envolvido em "uma conduta sexual imprópria". Três religiosos e um ex-padre o acusaram de ter cometido assédio sexual nos anos 1980.
"Nós não vamos passar o resto da semana falando sobre Cardeal O'Brien", disse o porta-voz do Vaticano, Federico Lombardi, em resposta a perguntas de jornalistas britânicos em uma coletiva de imprensa.
O cardeal anunciou a sua demissão depois que as acusações se tornaram públicas e afirmou que não iria participar do conclave.
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