Alguns anos atrás, enquanto estudava Arquitetura em Roma, nosso grupo foi levado para ver o maravilhoso Êxtase de Santa Teresa, de Bernini. Nele, o genial escultor barroco apresenta aquele momento místico em que a grande carmelita foi transpassada pela flecha ardente do amor divino. Também eu fui alvejado pela profundidade e beleza daquele trabalho. Agora, minha mente volta àquela tarde na semiescuridão de Santa Maria della Vittoria e à face de mármore leitoso da santa, levemente iluminada, depois que dois amigos chamaram minha atenção para uma mesma passagem nos escritos de Bento XVI.
Em On the way to Jesus Christ, o então cardeal Ratzinger descreve a verdade como ser "atingido pela flecha da beleza que fere o homem: ser tocado pela realidade, 'pela presença pessoal do próprio Cristo'", citando o teólogo grego Nicolau Cabasilas. O homem contemporâneo confunde a beleza com o glamour superficial. Quando os jornalistas comentam sobre a "teologia da beleza" do papa, enfatizam o exterior os brocados de seda, os sapatos vermelhos, as mitras e a associam a uma exibição orgulhosa desses itens. Mas o papa é uma pessoa culta e reservada, um pianista amador que aprecia Mozart e gosta da companhia de gatos; a autopromoção pomposa não é de sua índole.
Para Bento, a visibilidade inerente ao cargo insinua uma realidade mais profunda. Para ele, a verdadeira beleza é algo que vai bem mais fundo, que penetra o coração humano. Essa beleza transcendente abrange a totalidade da verdade de Jesus Cristo, a glória e o sofrimento, a luz da ressurreição e a escuridão do Calvário. Como na visão de Santa Teresa, há tanto deleite quanto dor no toque da beleza à medida que ela nos abre para Deus.
Bento XVI também escreveu que "a única defesa realmente efetiva do Cristianismo se resume em dois argumentos: os santos que a Igreja produziu e a arte que floresceu em seu seio". Em uma era que perdeu a arte da argumentação filosófica, essa experiência da beleza no testemunho de sacrifício da vida cristã, e na beleza física da arte e da arquitetura nos permite vencer os muros defensivos que erguemos dentro de nós mesmos contra Deus. O testemunho de beleza de Bento é, portanto, um ato evangélico, de pregação e apostolado. A beleza nunca se encerra em si mesma.
Em um nível mais concreto, o amor do papa pela arte coloca a beleza em um contexto histórico, passado e presente. Os elaborados rituais papais e outros atos que podem parecer arcaicos ao não católico, e até para muitos católicos, são tentativas de nos colocar em continuidade com dois milênios de pintura, escultura e música que buscam nos levar a Cristo. Eles representam não a autoglorificação, mas um desejo de união de Bento com seu cargo, de comunhão com seus predecessores. Ele não quer que ninguém desvie para o homem Joseph Ratzinger a atenção devida a Cristo. Por isso, em muitas missas papais, ele coloca no altar um enorme crucifixo: assim, ele e os fiéis podem olhar para o mesmo Cristo e ser transpassados pelo mesmo raio de beleza que emana dEle.
Como Teresa, Bento XVI foi atingido pelo amor e pela beleza. Sua renúncia nos mostra que seu coração também foi alvejado por muitas outras flechas tristeza, desunião, o fardo do papado e o peso da idade. Também há beleza em aceitar esse sofrimento, e rezemos por ele, agora que terá um merecido descanso.