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Nature

Genoma "enxuto" pode ter transformado dinossauro em ave

A barreira que separa o que se consegue descobrir sobre uma criatura viva e outra extinta há milhões de anos acaba de levar mais uma martelada. Pesquisadores americanos e britânicos estimaram o tamanho do genoma (o conjunto do DNA) dos dinossauros. Não contentes com isso, ainda afirmam que o dado pode revelar como os lagartões ganharam sangue quente e, mais tarde, deram origem às aves. Segundo eles, um dos segredos pode ter sido um genoma "enxuto", que preparou o organismo dos bichos para funcionar no ritmo necessário para alçar vôo.

O trabalho capitaneado por Chris L. Organ, do Museu de Zoologia Comparativa da Universidade Harvard, está na edição desta semana da revista científica "Nature". O grupo de Organ usou um truque simples e engenhoso para estimar a quantidade de DNA nas células de 31 espécies de dinos sem precisar recorrer a técnicas à la "Parque dos Dinossauros". Eles simplesmente fatiaram os ossos fossilizados e mediram o diâmetro de pequenos buracos neles, os quais, em vida, eram ocupados pelas células ósseas.

Acontece que há uma correlação entre tamanho de célula e tamanho de genoma, já verificada em espécies atuais de vertebrados: quanto maior a célula, maior a quantidade de DNA. Usando métodos estatísticos baseados nesses dados de bichos modernos, os pesquisadores conseguiram fazer uma hierarquia dos "genomas reconstruídos" de dinos. "Quanto mais leio, fico progressivamente instigado a ver furos. Mas está difícil encontrá-los. Estatisticamente falando, a coisa parece bem fundamentada", avalia o paleontólogo brasileiro Reinaldo José Bertini, da Unesp de Rio Claro.

E não é que um padrão no mínimo curioso emergiu dos dados? Há uma diferença clara entre todos os dinos terópodes (os carnívoros que deram origem às aves) e os ornitísquios (herbívoros como o chifrudo Triceratops, que lembra um rinoceronte, ou os hadrossauros, com seus bicos de pato). Os terópodes teriam genomas com média de 1,78 bilhão de pares de "letras" de DNA -- pouco mais que a metade do tamanho do genoma humano -- enquanto os ornitísquios teriam quase 2,5 bilhões de pares de "letras" em seu DNA.

O mais interessante é que o genoma enxuto parece estar presente desde a origem dos terópodes e, talvez, de todos os dinos. O bicho conhecido como Herrerasaurus, um pequeno carnívoro que viveu na América do Sul há 220 milhões de anos, pode ser tanto o primeiro terópode quanto um dos primeiros dinos -- e já apresentaria DNA "resumido".

Do calor ao vôo

Organ explica que as repercussões desse dado podem ser enormes. "Há evidências de que o tamanho do genoma varia junto com a velocidade do metabolismo", disse ele ao G1. "Fazer mais DNA caber na célula exige que o núcleo celular e a célula como um todo cresçam também. Isso tem conseqüências diretas para a taxa de divisão celular, a respiração e outros fatores ligados à razão entre a superfície e o volume dos tecidos."

Trocando em miúdos: um genoma pequeno permite que as células sejam menores e se dividam mais rápido. Em conjunto, células pequenas e numerosas também têm uma superfície maior do que poucas e grandes células - o que facilita a vida delas na hora de fazer trocas químicas no sangue, por exemplo. Assim, é de esperar que um bicho de organismo "rápido" tenha genomas mais enxutos e mostre características como sangue quente.

Como o vôo é uma atividade que exige quantidades enormes de energia, considera-se que um metabolismo rápido e sangue quente foram pré-condição para que alguns dinos se tornassem aves. E, de fato, tanto os genomas das aves modernas quanto os do outro grupo vivo de vertebrados voadores, os morcegos, são "resumidos" se comparados aos de seus parentes mais próximos. O mais curioso é que as aves que não voam mais, como os avestruzes e emas, voltaram a ter DNA grandalhão.

"O que o nosso trabalho mostra é que essas características do genoma aparentemente são um requisito para o vôo ativo, mas surgiram muito antes, em algum ancestral", afirma Organ. A estimativa, que casa dados dos fósseis e de DNA, é que esse bicho tenha vivido em algum momento entre 250 milhões e 230 milhões de anos atrás.

Resta saber como os demais paleontólogos vão reagir a uma fusão tão ousada de biologia molecular e estudo de fósseis. Talvez bastante bem, a julgar pelo comentário de Bertini, da Unesp: "Gostei. É a endotermia [sangue quente] dos terópodes sendo reforçada".

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