O governo da Argentina se esquivou de qualquer responsabilidade na blitz de quase 200 fiscais que a Receita Federal local, a AFIP (Administração Federal de Ingressos Públicos), realizou ontem nas empresas do Grupo Clarín, maior holding multimídia do país. Segundo o chefe de Gabinete da Presidência (equivalente ao Gabinete Civil), Aníbal Fernández, a inspeção "não foi da AFIP", mas sim de "alguém que tomou o trabalho de fazê-la". Fernández afirmou que foi "uma operação financiada por alguém com a intenção de colocar o governo como se estivesse pressionando".
Fernández disse ainda que o governo vai "investigar quem pagou para fazer essa pantomima" e os que "organizaram a operação serão despedidos". Também argumentou que o diretor da AFIP, Ricardo Echegaray, não vai renunciar ao cargo depois de afirmar que não ordenou a blitz. O editor geral do jornal Clarín, Ricardo Kirschbaum, disse à Agência Estado que "é muito grave que o diretor da AFIP ou o governo não tenham conhecimento de uma operação desta dimensão (com a presença de cerca de 200 inspetores na sede do grupo) porque demonstra que alguém dá ordens ao organismo sem ter a autoridade formal e de direito para isso.
A alusão é ao ex-presidente Néstor Kirchner, que encabeça, junto com sua esposa, a presidente Cristina Kirchner, a guerra aberta do governo contra o Grupo Clarín. Desde que Cristina assumiu o cargo, em 10 de dezembro de 2007, a imprensa argentina e os analistas políticos afirmam que Néstor Kirchner continua no poder, mas sem a faixa presidencial. Echegaray, da AFIP, é um dos braços direitos do marido de Cristina e é o homem usado como porta-estandarte da briga contra os produtores rurais e, agora, contra o Clarín. Como ex-diretor da Oficina Nacional de Controle Comercial Agropecuário (Oncca, o órgão estatal que regula a comercialização agropecuária), e como diretor da AFIP, Echegaray é acusado pela imprensa, analistas e setor agropecuário de editar resoluções sob medida para pressionar os produtores rurais.
A fiscalização da Receita ao Clarín ocorreu no final da tarde desta quinta (11). Após o início da fiscalização, em carta a Kirschbaum, do Clarín, Echegaray afirma não ter autorizado qualquer "procedimento especial de inspeção nas instalações do Grupo Clarín", e assegura que serão esclarecidas as responsabilidades pela ação. O editor do Clarín acusou o governo de tentar silenciar os veículos de comunicação pertencentes ao grupo.
Guerra - A guerra entre o Governo Kirchner e o Grupo Clarín teve início em março de 2008, quando o casal presidencial abriu a frente de conflito com os produtores rurais. Os Kirchner entenderam que o Clarín estava apoiando a briga do setor agropecuário. Em ato público organizado por aliados do governo, durante os momentos mais tensos da crise com os agricultores, no ano passado, Cristina foi ao ponto de afirmar: "desta vez, os oligarcas não vieram com tanques contra o governo, mas sim com os generais da mídia." O casal Kirchner acusa a Sociedade Rural de ter apoiado a ditadura militar na Argentina nos anos 70.
As associações de jornalistas denunciaram e repudiaram ao longo dos últimos anos intensas pressões do governo aos profissionais da mídia, grampos telefônicos e ameaças diversas. Nas últimas duas semanas, os escritórios do jornal Clarín foram atacados com pichações de militantes governistas e vários cartazes denegrindo a imagens dos donos do grupo foram espalhados pela cidade.
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