Saída de capacetes-azuis será analisada em 2011
O chefe da missão da ONU no Haiti, Edmond Mulet, indicou na quinta-feira que a redução do número de capacetes-azuis na ilha e sua "eventual retirada" serão examinadas em abril-maio de 2011, desde que a eleição de domingo e a transição de poder ocorram sem contratempos.
Criada em meados de 2004, a Missão de Estabilização da ONU no Haiti (Minustah) está programada para permanecer um determinado tempo. Seu mandato é renovado periodicamente pelo Conselho de Segurança e, em outubro passado, foi estendido por mais um ano. "Se tivermos boas eleições agora e se ocorrer uma transferência democrática de poder" entre o ex-presidente e o presidente eleito, e se for realizada a "instalação de uma nova Assembleia Nacional no próximo ano, então analisaremos a situação da segurança no país em abril-maio de 2011", disse Mulet em uma coletiva de imprensa.
Entrevista
"País continuará dependente de ajuda internacional"
Laurent Dubois, professor e especialista em História do Haiti da Duke University
O professor Laurent Dubois, especialista em História do Haiti na Duke University, acredita que o futuro presidente terá pouca margem de manobra, e será obrigado a dividir o poder com a poderosa Comissão de Reconstrução, que gerencia os fundos recebidos pelo país desde o terremoto.
Podemos confiar nas pesquisas que apontam Mirlande Manigat e Jude Celestin como favoritos?
É muito difícil saber. Essas pesquisas conseguem identificar quem são os principais candidatos das eleições, mas não são tão refinadas a ponto de distinguir qual a diferença real entre eles. Além disso, elas são feitas por telefone, e certamente acabam refletindo mais a realidadedas cidades do que a do campo. Não temos nem certeza se as pessoas irão votar. Por isso, o resultado das eleições é ainda muito incerto, mas tudo indica que haverá um segundo turno.
Qual será o real poder do futuro presidente?
O presidente não terá uma grande margem de manobra, porque será obrigado a lidar com a Comissão de Reconstrução, que detém os fundos das doações recebidas pelo país. O dinheiro vem na sua maior parte de doadores internacionais, logo o presidente será muito dependente das negociações com outros países. Seu poder será muito limitado, mas ainda assim acredito que essas eleições vão acelerar o ritmo da reconstrução, extremamente lento agora.
Como funciona essa comissão? Podemos dizer que ela representa o verdadeiro poder do Haiti?
Em muitas maneiras, eles são os verdadeiros detentores do poder. A Comissão de Reconstrução é formada por representantes de países doadores, e a outra metade, por haitianos eleitos. eles funcionam um pouco como a ONU: cada um tem sua própria agenda, eles fazem muitas reuniões, muitas discussões, mas nunca conseguem chegar a um acordo.
Porto Príncipe - Os haitianos comparecem às urnas neste domingo para eleger seus novos governantes, que herdarão um país que o terremoto de janeiro devastou, com mais de um milhão de desabrigados e uma população ameaçada pela cólera, já sem ilusões sobre possíveis soluções oferecidas pela classe política.
Quase um ano depois do terremoto de 12 de janeiro, que matou 250 mil pessoas, o país vai escolher um dos 19 candidatos para suceder o presidente René Préval, além de designar deputados e senadores. Preval, que pela Constituição não pode tentar a reeleição, pode passar o comando do país à primeira presidente do país: Mirlande Manigat, ex-primeira-dama de 70 anos foi casada com Leslie Manigat, derrubado em 1988 em um golpe de Estado militar , que é a favorita contra o candidato do partido governista, Jude Celestin, de 48 anos.
Segundo uma pesquisa recente, Manigat venceria com 36% dos votos, contra 20% de Celestin. Um terceiro candidato, Michel Martelly, mais conhecido por seu nome artístico "Sweet Micky" e popular entre os jovens, receberia 14% dos votos. Os resultados das eleições não serão conhecidos antes do início de dezembro. Se as previsões se confirmarem, os dois candidatos favoritos nas pesquisas disputarão um segundo turno.
Mas muitos temem a possibilidade de fraudes em um país marcado pela corrupção. O diretor do registro eleitoral nacional haitiano, Philippe RJ Augustin, disse à AFP que teme "fraudes por todos os lados". Apesar do caos gerado pela cólera, que provocou a morte de mais de 1.400 pessoas desde meados de outubro, as autoridades rejeitaram um adiamento da votação.
A epidemia provocou atos de violência contra os soldados nepaleses da força da ONU, acusados por uma parte da população de terem provocado a entrada da cólera no país. As manifestações deixaram seis mortos no centro e norte do país. A campanha também foi marcada por confrontos entre simpatizantes dos diferentes candidatos, que deixaram dois mortos.
Favoritismo
Manigat, respaldada pela classes média e pelos intelectuais, pode ser beneficiada por um voto de repúdio ao partido no poder, que tem cartazes nas cores amarelo e verde com o rosto de Celestin espalhados por todo o país. "Os haitianos não querem continuísmo. Querem mudança, até mesmo uma ruptura", disse Manigat à AFP.
Celestin é considerado muito próximo ao atual presidente, mas os haitianos não parecem acreditar que o novo presidente, independentemente do vencedor, possa reconstruir o país. "Atingimos o fundo mais rápido que outros povos. Precisamos reconstruir os homens, sua visão, a maneira de aprender as coisas. Necessitamos de um novo equilíbrio em todos os níveis", disse a cantora Yole Derose, uma artista muito admirada no Haiti.
Com instituições destruídas pelo terremoto, uma classe política sem rumo e uma sociedade dividida pela miséria, a tarefa será hercúlea. "Os futuros dirigentes têm que entender que temos um país para salvar e construir juntos", declarou o padre Jean Desinor, diretor da rádio católica haitiana. Para ele, os males que abalaram o país em 2010 permitem "recomeçar sobre novas bases".
Nas ruas de Porto Príncipe, os habitantes esperam antes de mais nada conseguir um trabalho. "Queremos que o novo presidente crie empregos para colocar todas as pessoas que não fazem nada para trabalhar. Tem que abrir escolas para as crianças", disse Patrick Saint-Vil.
Diante dos cartórios, centenas de pessoas aguardam em grandes filas para retirar o documento de identificação nacional que permite o voto nas eleições de domingo.