Para um dos principais especialistas do Brasil na realidade histórica por trás da vida de Jesus, é preciso encarar com ceticismo o anúncio da descoberta da suposta tumba de Cristo. André Chevitarese, historiador da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vai mais longe: Jesus seria virtualmente invisível para um arqueólogo de hoje. "Não só ele como quase toda a primeira e a segunda geração de cristãos. São pessoas periféricas, gente muito simples, de origem rural", declarou Chevitarese ao G1. Seriam incapazes de deixar restos materiais claros de si mesmos.
Assim, os ossuários (caixas de pedra que abrigam os ossos após o sepultamento original) apresentados no dia 26 pelo diretor de cinema James Cameron como o local do último descanso de Jesus, sua mãe Maria e sua suposta esposa Maria Madalena (entre outros personagens bíblicos) estariam muito acima das possibilidades financeiras de alguém como ele. A decoração elaborada em alguns dos ossuários aponta para uma família de classe média alta, e não para camponeses da Galiléia (a região pobre e iletrada ao norte da Palestina).
"A gente fica com um pé atrás diante de um anúncio como esse", afirma Chevitarese, co-autor do livro "Jesus de Nazaré - Uma Outra História". "A impressão é que se está diante do fenômeno de uma emissora de TV simplesmente querendo criar polêmica em torno do tema. Qualquer trabalho científico sério precisa trabalhar com hipóteses, que podem ser testadas ou refutadas. O problema é que, nessas belíssimas teorias que são criadas, a resposta já vem pronta" e os fatos simplesmente são forçados a se encaixar na conclusão desejada, critica o historiador. Ele compara esse tipo de esforço à trama do romancista Dan Brown no livro "O Código Da Vinci". Mais um túmulo
Chevitarese conta que o túmulo de onde vieram os ossuários, achado em 1980 num subúrbio de Jerusalém, não é nem o primeiro a conter a inscrição "Jesus, filho de José". Outro ossuário com esses dizeres veio à tona em 1926, "inclusive com uma inscrição bem mais clara", de acordo com o pesquisador. O burburinho, na época, foi semelhante ao gerado pelo anúncio de Cameron, até que se percebeu que ambos os nomes eram extremamente comuns entre os judeus do século 1 d.C.
Caso os restos de Jesus realmente tivessem sido depositados num dos ossuários, isso significa que ele teria sido primeiro colocado num loculus - provavelmente uma reentrância ou nicho numa parede de rocha, grande o suficiente para receber um corpo - e depois seus restos mortais teriam sido abrigados no ossuário. Assim, embora Cameron negue, a existência da caixa seria uma prova contrária ao dogma da ressurreição de Jesus dos mortos.
"Acontece que eles passam por cima de uma parte significativa das pesquisas sobre crucificação, que indicam que muito provavelmente Jesus nunca chegou a ser enterrado", defende Chevitarese. Segundo o historiador, em todo o mundo romano (que ia do Reino Unido ao Iraque de hoje), existem pouquíssimos registros de pessoas crucificadas que foram sepultadas. O costume romano era deixar o corpo exposto na cruz, até que aves de rapina ou cães devorassem o cadáver. Temia-se que o túmulo de um rebelde crucificado virasse local de peregrinação e aumentasse o descontentamento contra Roma.
Chevitarese argumenta também que, para a maioria dos estudiosos, a figura de José de Arimatéia - um judeu rico e simpatizante secreto de Jesus que teria obtido seu corpo e organizado seu sepultamento - é uma criação literária dos Evangelhos. "Camponeses como os seguidores de Jesus não teriam como se dirigir a Pilatos para exigir o corpo. Assim, os evangelistas têm o problema de explicar o sepultamento de Jesus e usam a figura de José de Arimatéia, que praticamente cai de pára-quedas na narrativa - sua única função na história é essa", diz.
Mesmo que o sepultamento tenha ocorrido, porém, o pesquisador diz que é quase impossível separar Jesus e seus seguidores do contexto camponês da Galiléia. Essas pessoas, inclusive Jesus, teriam grandes chances de ser analfabetas e de só falar aramaico - a língua-mãe da maioria dos judeus da Palestina nessa época. Sem o domínio do grego, a língua da cultura de então, tais pessoas teriam muito pouca oportunidade de deixar registros históricos de primeira mão sobre si mesmas e seu líder messiânico.
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