Coração financeiro da Europa, Londres parece inconformada com a decisão britânica de deixar a União Europeia (UE). O choque que tomou conta dos moradores da capital, onde 60% dos eleitores votaram contra o Brexit, deu lugar neste sábado a um sentimento de depressão e revolta. A cidade manteve sua rotina, mas a era de incertezas que agora assombra o Reino Unido mudou o clima nas ruas.
O prefeito Sadiq Khan - filho de imigrantes paquistaneses eleito recentemente, e cuja ascensão no cenário político representa o multiculturalismo associado a Londres - disse que a metrópole vai lutar para participar das negociações sobre a retirada da UE.
A que questões o Reino Unido deve responder sobre sua saída da União Europeia?
“Como país, decidimos deixar a UE, mas para a cidade vejo enormes benefícios em se manter no mercado único. Já disse ao governo que Londres deve estar na mesa de negociações”, afirmou, que criticou seu antecessor, Boris Johnson, líder da campanha pelo Brexit, por ter ignorado o impacto da decisão sobre a economia da capital.
Jeremy Corbyn, líder do Partido Trabalhista, que saiu derrotado das urnas, sentiu a decepção dos moradores de Londres. Ao passar pelo Pride Festival, a parada gay da cidade, foi acusado de não ter feito o suficiente para evitar o Brexit.
“Foi sua culpa, Jeremy!”, gritou um homem. “Pare de usar o movimento gay para disfarçar sua falta de liderança”. Corbyn, constrangido, respondia apenas que havia “feito todo o possível”.
Em Brixton, na região de Lambeth, Sul de Londres, fica clara a posição da capital britânica na discussão que evidenciou a profunda divisão no Reino Unido. A área registrou o maior percentual de votos pela permanência na UE em toda a Inglaterra: 78,6%.
Ao redor do mercado de Brixton, uma sucessão de coloridas barracas com todos os tipos de produtos, onde diferentes etnias se misturam, um casal de amigos não escondia o desânimo. May, que tem raízes irlandesa, francesa e indiana, e Tom, filho de mãe italiana e pai de Trinidad e Tobago, nasceram em Londres, mas já não sabem se querem continuar na capital.
“O Brexit foi a pior coisa que podia acontecer para a minha geração. Minha mãe já fala em se mudar. Acha que imigrantes serão tratados com hostilidade”, disse o rapaz, que é produtor de vídeos.
A amiga, estudante de Sociologia, concordou. “Não posso mais confiar num país que acreditou numa campanha marcada por xenofobia”.
Brixton já foi uma área esquecida, palco de violentos conflitos sociais na década de 1980. É um bairro de imigrantes, sobretudo africanos, mas nos últimos anos a gentrificação mudou a cara do local, atraindo londrinos jovens que buscam aluguéis acessíveis. As comunidades se cruzam nos mercados de rua, onde o Brexit dominou as conversas ontem.
“Nada de bom pode sair dessa decisão”, resumiu um vendedor de roupas do Afeganistão, que deixou Cabul há 15 anos.
No Brixton Village, shopping center com restaurantes de diferentes partes do mundo, a britânica Samantha Williams, funcionária de uma pequena loja de doces caseiros, contou que já havia recebido vários clientes inconformados com o resultado do referendo.
“Acho que as pessoas votaram sem entender direito os efeitos do Brexit”, avaliou.
Uma petição publicada na plataforma digital Change.org já havia alcançado ontem 140 mil assinaturas para que Londres seja declarada “cidade mundial”. A esperança é que, assim, possa se juntar de forma independente à UE.
A que questões o Reino Unido deve responder sobre sua saída da União Europeia?
1 - O Reino Unido já tem um plano para sair da UE?
Em maio, as autoridades britânicas admitiram que não havia um plano de contingenciamento para a saída da UE. Mais tarde, o ministro de Finanças, George Osborne, afirmou que o governo estava pronto para lidar com a instabilidade financeira após o plebiscito, mas acrescentou que sair do bloco europeu será um trabalho complexo.
2 - Há pessoal qualificado para fazer a transição?
Provavelmente não. O ex-principal assessor da Secretaria de Relações Exteriores, Simon Fraser, disse à rádio BBC duvidar que haja “mais de uma dúzia a 20 servidores britânicos com experiência real em negociações comerciais”. Durante anos, o Reino Unido não precisou deles, uma vez que esta tarefa era realizada pela UE.
3 - A atuação do Parlamento em outras áreas será afetada?
Andrew Cahn, ex-chefe de Comércio e Investimento do Reino Unido e favorável à permanência na UE, disse que o serviço público enfrenta hoje seu maior desafio desde a Segunda Guerra Mundial. Segundo ele, o esforço legislativo necessário para criar as políticas domésticas em substituição às europeias “vai preencher a agenda legislativa até onde o olho alcança”. É claro que haverá outras leis e prioridades. O governo continuará. Mas achar tempo no governo e no Parlamento será mais desafiador do que antes.
4 - Já se sabe como será a saída do Reino Unido?
Não há detalhes, porque não se sabe quem estará no poder. A principal decisão sobre quando iniciar o período de dois anos de negociações para o Brexit - a invocação do Artigo 50 - será tomada pelo novo premier. O movimento pró-saída elaborou um plano de ação no início do mês, rejeitando o Ato das Comunidades Europeias, de modo que a UE não faça mais parte da legislação britânica até o fim da década.
5 - E se as regras da UE caducarem?
Uma ideia é reescrever as regulações da UE que tratam de tudo - de alimentos geneticamente modificados a aspiradores de pó - na legislação britânica, de modo que o Parlamento possa alterar ou anular a seu tempo após o Brexit. Simon Gleeson, sócio do escritório de advocacia Clifford Chance, afirma que este passo será necessário, pois “não pode haver vácuos no sistema legal”.
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