Em seu primeiro encontro com os líderes da União de Nações Sul-americanas (Unasul), nesta manhã (18), o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, foi desafiado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a enviar a secretária de Estado, Hillary Clinton, a visitas aos países latino-americanos com os quais Washington tem acumulado "mal-entendidos". A proposta foi apresentada em uma reunião de pouco mais de uma hora de duração, que se deu em paralelo à 5ª Cúpula das Américas e que selou o compromisso de Obama de dar uma guinada na política adotada pela Casa Branca para a região.
Presente a esse encontro, o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, relatou que Obama ponderou que sua intenção enfrenta resistências da clientela política interna e vícios da máquina burocrática americana. Os próprios líderes sul-americanos afirmaram reconhecer que essa transformação, levada adiante por um governo com pouco mais de 100 dias de mandato, demandará tempo. "Obama teve uma atitude franca e amistosa na reunião e o cuidado de colocar sua expectativa de mudar as relações dos EUA com a Unasul para um outro plano, o da cooperação", relatou Amorim. "Houve realmente um diálogo, e não uma sucessão de monólogos. Mas não me pareceu que o presidente Obama tenha ficado constrangido por ouvir todas as nossas ponderações."
Do ponto de vista do Brasil, a presença de Hillary Clinton ou de outra autoridade americana nos países que mantêm relações mais tensas com Washington consolidaria a mudança real da tradicional imposição de propostas da Casa Branca na região para uma atitude de cooperação. Mas, ao relatar o encontro, Amorim esquivou-se de mencionar quais países Lula sugeriu que fossem visitados. "O presidente Obama é muito inteligente e bem assessorado para saber quais os quais com os quais há mal-entendidos", arrematou o chanceler â imprensa.
Em princípio, figurariam nessa lista a Venezuela e a Bolívia, cujos governos expulsaram os embaixadores americanos credenciados, o Equador e Nicarágua. De antemão, Amorim descartou qualquer menção do presidente brasileiro a Cuba, dada a inexistência de relações bilaterais desse país com os EUA.
Diante dos chefes de Estado da Unasul e de Obama, Lula preferiu repetir para a pequena plateia sua expectativa de que os EUA venham a adotar um "novo olhar" para a América do Sul, desarmado "dos mitos e dos bichos-papões da guerra fria". Concluiu seu raciocínio com outra sugestão a Obama: não orientar as relações dos EUA com países sul-americanos de acordo com a coloração ideológica de seus governos.
Alto nível
O relato de Amorim deixou a percepção de que até mesmo os líderes mais incendiários mantiveram a conversa a portas fechadas em alto nível. Conforme informou, as ponderações e divergências foram expostas em tom "cordial e respeitoso" e respondidas da mesma forma. "O presidente Chávez, surpreendentemente, fez um discurso curto e cordial", informou Amorim, ao se referir ao líder que, meses atrás, havia chamado Obama de "ignorante".
Esse tom amistoso foi mantido quando os líderes sul-americanos tocaram na questão mais delicada da 5ª Cúpula das Américas - a retomada de relações dos EUA com Cuba e sua reinserção no diálogo interamericano. Segundo Amorim, Lula aproveitou o momento para destacar que acredita ser "impossível" a realização de um novo encontro entre a América Latina, o Caribe e os EUA e Canadá sem a presença de Havana. O próximo evento se dará, em princípio, em 2013.
Reconhecimento - Ao avaliar o significado do encontro de Obama com os líderes sul-americanos, Amorim deixou escapar que a "Unasul foi aceita e percebida como um fórum importante pelo governo americano". Essa unção de Washington era exatamente o que alguns líderes da região, entre os quais Chávez, rechaçava em seus discursos.
Provocado por um jornalista se a região deixara de ser vista pelos EUA como um conjunto de "repúblicas de bananas", o chanceler imediatamente disparou que a América Latina também mudou e que essa qualificação "deve ser recolhida para a História e para os filmes de Woody Allen". Em 1971, o diretor americano lançou a comédia "Bananas", por meio da qual satirizou os movimentos revolucionários da esquerda latino-americana "Nós somos, agora, as repúblicas do software, dos aviões a jato. O fato de os EUA aceitarem negociar com a Unasul, o Caricom (Comunidade Caribenha) e os centro-americanos é uma coisa nova", avaliou o chanceler. "Isso mostra que essas instâncias regionais foram aceitas. É um sinal de respeito."