Quando os helicópteros trazendo ajuda pousam no campo de golfe do Clube Petionville, antes um lugar de lazer para os abastados e agora uma cidade de tendas improvisadas que cresce, os moradores correm naquela direção. Mas, para chegar lá, precisam escalar um barranco íngreme até a área de pouso.Para Richard Domand, um sem-teto de seus 70 anos, vítima de tifo e que sofre de paralisia parcial, é pedir demais. No dia da distribuição, ele chegou pela manhã, mas só conseguiu subir até a metade do morro, onde estava no final da tarde, deitado no chão com a bengala ao lado. Uma mulher havia lhe dado uma das duas garrafas de água que pegara com os americanos, mas ele dizia não ter conseguido comida. "Não consigo subir lá", contou.
Ainda que cada vez mais donativos cheguem ao Haiti, uma semana após o terremoto devastador, os desafios para fazer a entrega da comida e da água ilustram um problema enfrentado por toda a cidade. As ruas estão bloqueadas pelo tráfego e pelos escombros. A confusão é crescente. Por todo lado, as pessoas se perguntam: "Para onde vou?"
Os idosos têm prioridade para receber comida, mas alguns deles não conseguem chegar ao local. Famílias com crianças pequenas também têm preferência, e comenta-se que algumas pessoas tomam bebês emprestados e os carregam morro acima.
Outros aguardam junto ao local de pouso durante horas debaixo de sol escaldante, usando caixas de papelão para proteger o rosto da poeira inclemente e da grama seca lançadas pelos helicópteros que aterrissam.
Os militares também tiveram de aprimorar seus métodos. Instalaram uma unidade de primeiros socorros, pois muitas das pessoas que subiam até ali apresentavam cortes e outros ferimentos que não haviam sido tratados. Também desceram até o campo à procura de pessoas que pudessem atuar como líderes comunitários e ajudar a organizar a distribuição. E tiveram de abandonar a prática de ir fazendo a entrega aos primeiros da fila. "Descobrimos que o pessoal do fim da fila não saía do lugar e nunca conseguia pegar comida", conta o capitão John Hartstock.
Campo de refugiados
Os militares estimam que haja mais de 25 mil pessoas vivendo no campo de golfe. Basta olhar a sucessão de tendas e cobertores e lonas ao longo do terreno acidentado para ver que a estimativa é conservadora.
Lá embaixo, as pessoas ficam agradecidas pela comida, e buscam outras formas de sobrevivência. Mercados improvisados proliferam, mas muitos deles com pouca oferta de comida e preços inflacionados. Quando não contêm mais comida, as caixas passam a servir como colchões ou telhados. As crianças as usam para brincar de tobogã nos morros.Quikni Alakasis, de 21 anos, teve sorte. Ela tem um bebê de quatro meses. Subiu o morro do local dos pousos e foi imediatamente chamada para a frente da fila. "Por causa do bebê", ela diz. "Foi por isso que me deram comida."
Alakasis perdeu a casa no terremoto e não sabe por quanto tempo vai viver nesse campo de golfe. Por enquanto, ela apenas espera pelos helicópteros.