Pessoas protestam em Washington, em frente à embaixada da Nigéria, para que meninas sequestradas pelo Boko Haram, na Nigéria, sejam libertadas| Foto: REUTERS/Gary Cameron

Casamentos forçados, estupros, trabalho pesado, abusos físicos e psicológicos. É dessa forma que meninas e mulheres sequestradas pelo grupo Boko Haram são tratadas no cativeiro caso não se convertam ao islamismo. Desde 2009 foram mais de 500 raptos, incluindo as 276 alunas da escola secundária Chibok capturadas de uma só vez, em abril deste ano. Algumas conseguem escapar, mas passam a sofrer com a falta de apoio médico e psicológico do governo nigeriano, denuncia a organização Human Rights Watch em documento divulgado nesta segunda-feira.

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"A tragédia de Chibok e a campanha #BringBackOurGirls (Devolvam Nossas Meninas, em português) atraíram uma urgente e necessária atenção global para a terrível vulnerabilidade das meninas no nordeste da Nigéria", disse Daniel Bekele, diretor da Human Rights Watch para a África. "Agora, o governo nigeriano e seus aliados precisam intensificar seus esforços para dar um fim a esses sequestros brutais e atender às necessidades médicas, psicológicas e sociais das mulheres e meninas que conseguiram escapar."

O relatório "Aquelas terríveis semanas em um acampamento: a violência do Boko Haram contra mulheres e meninas no nordeste da Nigéria" é baseado em entrevistas com 30 vítimas que conseguiram fugir do cativeiro, 16 testemunhas dos sequestros, além de assistentes sociais, autoridades, representantes de ONGs, diplomatas, jornalistas e líderes religiosos. O estudo sugere que o governo local tem falhado na oferta de proteção adequada às mulheres e meninas, no apoio às vítimas, em garantir acesso seguro às escolas e nas investigações contra os responsáveis pelos abusos.

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Vídeos divulgados no ano passado por líderes do Boko Haram sugerem três motivações para os sequestros: retaliação contra o governo por prisão de familiares dos combatentes, incluindo esposas; punição contra estudantes que frequentam escolas ocidentais; e a conversão forçada de mulheres cristãs ao islamismo. A isso, analistas entrevistados pela Human Rights Watch apontam que os raptos também têm funções táticas, como levar forças de segurança a emboscadas, cobrar resgate ou trocar as vítimas por prisioneiros.

As meninas entrevistadas pela organização descreveram os horrores do cativeiro. Segundo os relatos, caso elas recusassem a conversão ao islamismo, sofriam violências físicas e psicológicas, eram obrigadas a trabalhar e participar de operações militares - carregando munição e equipamentos ou guiando inimigos a emboscadas -, eram forçadas a casar com combatentes, além de cozinhar, limpar e realizar outras tarefas domésticas.

"Quando uma das vítimas, uma garota de 15 anos, reclamou a um comandante que ela e outras meninas eram muito novas para o casamento, ele apontou para sua filha de 5 anos e disse: 'se ela se casou ano passado e está apenas esperando a puberdade para a consumação, como vocês podem ser muito jovens para o casamento?'", descreve o relatório.

Comandantes protegem, mas estupros acontecem

Sobre a violência sexual, meninas e mulheres afirmaram que os comandantes do Boko Haram pareciam fazer esforços para protegê-las. Contudo, a Human Rights Watch documentou oito casos de estupro cometidos por combatentes, a maioria após as vítimas terem sido forçadas a casar. Segundo assistentes sociais que trabalharam com vítimas do grupo, os casos de estupro são subnotificados por causa da cultura do silêncio, do estigma e da vergonha sobre abusos sexuais na região conservadora do nordeste nigeriano.

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"As sobreviventes da violência do Boko Haram não devem ser silenciadas pelo medo ou pela vergonha", afirmou Bekele. "É o Boko Haram que deveria se envergonhar dos abusos cometidos contra essas mulheres e meninas, em sua interpretação extremista dos documentos religiosos."

O sequestro de 276 estudantes de uma escola em Chibok, uma pequena cidade da zona rural do estado de Borno, em abril, foi o maior incidente de sequestro de uma só vez por combatentes do Boko Haram. A relativa facilidade da ação parece ter encorajado os militantes, que intensificaram as capturas em outras regiões.

Por causa da ampla repercussão do caso, o governo da Nigéria levantou fundos para atender as jovens que escaparam do Boko Haram, com apoio de agências e governos estrangeiros. Segundo o relatório, elas receberam "limitados cuidados médicos e de aconselhamento", contudo, os recursos beneficiaram apenas as estudantes de Chibok, deixando desamparadas outras vítimas do grupo.

Os abusos contra meninas e mulheres na região nordeste da Nigéria é apenas o pano de fundo da intensificação dos combates entre forças do governo e do grupo islâmico desde a metade do ano passado, quando foi declarado estado de emergência em Borno, Adamawa e Yoba. Segundo a Human Rights Watch, a estimativa é que mais de 4 mil civis foram mortos em 192 ataques desde maio de 2013. Apenas na primeira metade deste ano foram 2.053 vítimas.

Violência das forças do governo

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Se as ações do Boko Haram preocupam, o mesmo pode ser dito dos militares. Segundo a Human Rights Watch, desde 2009 foram relatados diversos casos de uso excessivo da força, moradias incendiadas, violência física, desaparecimentos e execuções de suspeitos de apoiar o Boko Haram. E poucos integrantes das forças do governo, implicados em graves violações das leis humanitárias e de direitos humanos, incluindo violências contra meninas e mulheres, foram processados.

O relatório recomenda que as autoridades nigerianas "investiguem e processem, baseados nos padrões internacionais de julgamento justo, aqueles que cometeram graves crimes durante o conflito, incluindo membros do Boko Haram, forças de segurança e grupos armados pró-governo. Além disso, devem promover medidas adequadas para proteger escolas e o direito à educação e garantir acesso aos serviços de saúde e psicológicos para vítimas de sequestros e outras violências".

"Os abusos do Boko Haram e as respostas inadequadas do governo estão fazendo muitas pessoas no nordeste da Nigéria reféns do medo e da angústia", disse Bekele. "O governo e seus aliados precisam intensificar a proteção, os serviços de apoio e as ações penais contra aqueles que cometeram abusos de ambos os lados, para que se interrompa este ciclo de terror."