Perfil
Homem-forte no governo e nos bastidores
AFP
Buenos Aires - Néstor Kirchner comandou a Argentina entre 2003 e 2007 como presidente e, depois, por meio do mandato de sua mulher Cristina Kirchner, que está no poder há três anos. Nascido no dia 25 de fevereiro de 1950 em Rio Gallegos, na província de Santa Cruz (sul, na Patagônia), era advogado de centro-esquerda e quase desconhecido antes de se eleger à Presidência em 2003.
Kirchner era filho de um descendente de imigrantes suíços-alemães (da região de Interlaken) e de mãe chilena de origem croata.
Ainda na década de 1970, entrou para o Partido Justicialista (PJ, peronista), quando era dirigente estudantil na Universidade Nacional de La Plata. Casou-se em 75 com Cristina, colega de faculdade. Durante a ditadura militar (1976 a 1983), foi preso duas vezes, e com a redemocratização tornou-se prefeito, em 1987, de sua cidade natal. Em seguida vieram três mandatos consecutivos como governador de Santa Cruz, a partir de 1991.
Quando decidiu concorrer à Presidência em 2003, recebeu o apoio do então presidente, Eduardo Duhalde, importante figura no PJ. O concorrente, Carlos Menem, estava à sua frentes nas pesquisas quando desistiu da campanha, no segundo turno. Kirchner assumiu a Presidência da Argentina em maio de 2003.
Entrevista
Gerardo Strada Sáenz, professor de Relações Internacionais e Ciências Políticas na Universidade Nacional de Lanus
Com a morte de Kirchner o partido Justicialista (governista, fundado por Perón) fica mais fraco?
Não, mas existe uma interrogação importante porque Kirchner, além de fundar o "kirchnerismo", também foi um líder que manejou toda a estrutura do que nós chamamos de "armação política", o que gera expectativa sobre quem vai encarar agora a construção política.
Cristina delegou essa responsabilidade ao ex-presidente, e agora pode haver disputas reais de poder entre os seguidores de Kirchner sobre quem vai dar essa nova direção e conduzir o partido.
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Desde as 9h15 da manhã de ontem a política argentina vive um cenário de total incerteza, com a morte do ex-presidente Néstor Kirchner, considerado o verdadeiro poder no governo de sua esposa, a presidente Cristina Kirchner. O ex-presidente estava em El Calafate, no extremo sul da Argentina, aproveitando o feriado nacional com sua esposa, quando passou mal de madrugada, enquanto estava no meio de uma reunião em sua casa. Às 7 h em uma maca, acompanhado pela presidente Cristina entrou no Hospital José Formenti. Pouco mais de duas horas depois, apesar das tentativas dos médicos em reanimá-lo, o homem mais poderoso da Argentina deixou de existir.
Oficialmente, segundo seu médico, Luis Bonuomo, Kirchner teve uma "parada cardíaca com morte súbita". Sua viúva, a presidente Cristina, terá pela frente a dura tarefa de ocupar o vácuo político que seu falecido marido deixa. Kirchner centralizava as decisões do governo, reunia-se com os ministros da própria esposa, empresários e sindicalistas.
Esse intenso protagonismo havia gerado diversos curto-circuitos entre os cônjuges. Nos últimos dois meses houve uma troca de farpas em público sobre quem seria o candidato presidencial do governo nas eleições do ano que vem. Aliados de Kirchner que eram ministros de sua esposa indicaram que o candidato seria o "pinguim" (apelido do ex-presidente). Cristina, visivelmente irritada com seus próprios ministros, respondeu durante um comício: "E por que não pode ser a pinguim fêmea?". Segundo o analista político Rosendo Fraga, "sem Kirchner, Cristina poderá assumir o poder".
"Até o último momento ele se encarregou de deixar evidente que era ele quem exercia realmente o poder e não sua esposa", ascrescenta Fraga.
Críticas à parte, especialistas acreditam que por mais trágico que pareça esta é a chance de Cristina. Uma oportunidade que surge justamente um ano antes das próximas eleições e precisamente a treze meses do fim de seu mandato. "Ela tem agora a oportunidade de modificar, retificar, corrigir, mudar uma série de aspectos, estilos, orientações e políticas impostas por seu marido", observa Fraga.
Mas a tarefa de Cristina não será fácil. Afinal ela governa um país que, apesar da franca recuperação econômica, ainda não confia em seu governo. A presidente conta com a aprovação de apenas um em cada três argentinos uma situação nada cômoda para uma presidente que, caso não reverta os atuais índices, possivelmente não tenha chance alguma a aspirações políticas imediatas.
Em resumo, a morte de Néstor Kirchner cria uma grande vazio político na vida argentina. Sem Néstor, Cristina fica enfraquecida e torna-se um alvo ainda mais fácil para imprensa e para os demais críticos. Resta a ela, agora, rever os caminhos políticos trilhados, reorientar sua conduta e tentar aproveitar, da melhor maneira possível, os doze meses que a separam do futuro pleito presidencial.
Governabilidade
Para evitar rumores sobre problemas de governabilidade o secretário-geral da Confederação Geral do Trabalho (CGT), Hugo Moyano, convocou uma reunião de emergência da principal central sindical do país (que é a maior base de apoio social do governo) e declarou "apoio para que o modelo econômico continue".
Nos organismos de defesa dos direitos humanos o clima era de tristeza.
"Morreu um irmão", disse a presidente das Avós da Praça de Mayo, Estela de Carloto, cuja organização foi beneficiada com o respaldo de Kirchner na investigação dos crimes da ditadura militar (1976-1983).
Líderes da oposição e empresários, que haviam mantido duros confrontos com Kirchner nos últimos anos, deixaram de lado nesta quarta-feira as divergências e ressaltaram seu "pesar" pelo falecimento do ex-presidente.
O ex-presidente Carlos Menem (1989-1999), que disputou contra Kirchner as eleições presidenciais de 2003, destacou que Kirchner era uma pessoa "trabalhadora". No ano passado Menem chamou Kirchner de "anti-Cristo da economia argentina".
O velório de Kirchner será realizado hoje a partir do meio-dia na Casa Rosada, o palácio presidencial, em Buenos Aires.
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