Não faz muito tempo, François Deschamps saiu do prédio onde mora, no bairro de Limoilou, em Quebec, e parou ao ver o anúncio preso no poste. “Incendeie sua mesquita local” era a mensagem sobre a silhueta de um templo, no estilo turco, envolto em chamas. Tirou uma foto com o celular para acrescentá-la à sua coleção de declarações antimuçulmanas que começaram a pipocar na cidade.
O Canadá é uma sociedade excepcionalmente aberta, legado dos políticos liberais que colocaram o país pouco populoso na rota do multiculturalismo agressivo décadas atrás. Para a agência federal de estatísticas, até 2036, quase metade da população será composta de imigrantes ou filhos deles, a maioria sendo o que o país chama de “minorias visíveis”, ou seja, não brancos.
Essa rápida transformação está afetando os elementos mais conservadores, ou os canadenses brancos, que consideram a nação como sendo sua, apesar do fato de os europeus terem ocupado a terra de uma série de povos indígenas que há muito existiam ali.
Crimes
Há pelo menos cem grupos de extrema-direita no Canadá, segundo dois estudos publicados em 2016. Embora tenham como alvos gays, lésbicas, judeus e outras minorias, os muçulmanos enfrentam uma hostilidade considerável. Em 2014, último ano de estatísticas disponíveis, a polícia registrou 99 crimes de ódio cometidos por motivos religiosos contra muçulmanos; em 2012, foram 45.
Poucos acreditam que essa comoção,porém, moderada em comparação aos padrões dos Estados Unidos, tenha contribuído diretamente no ataque de 29 de janeiro à maior mesquita da cidade, matando seis pessoas e ferindo oito. E não há evidência ainda de que o aluno da Universidade de Quebec responsável pela violência tenha ligação com qualquer grupo específico.
A verdade, entretanto, é que o ocorrido levou muita gente a desconfiar que a abertura canadense à imigração muçulmana esteja gerando tensões. E mesmo os grupos mais tradicionalistas parecem sentir que expressar o radicalismo pode ser perigoso.
“Há quem culpe a linguagem nacionalista de Donald Trump, mas a verdade é que o extremismo de direita há muito existe no Canadá, fomentado por skinheads, supremacistas brancos e outros”, diz Barbara Perry, especialista do Instituto de Tecnologia da Universidade de Ontário em Oshawa e principal autora de um relatório publicado no ano passado na revista científica “Studies in Conflict & Terrorism”. “O sentimento já faz parte da sociedade”, diz Perry, para quem a internet tem um papel fundamental na disseminação da ideologia.
Anonimato da internet
Na cidade de Quebec, panfletos, cartazes e manifestações ocasionais de grupos como a Fédération des Québécois de Souche (que significa “Federação dos Quebequenses de Estirpe”) proliferam. Seu slogan é “Existo, logo ajo”, mas como qualquer movimento marginal, é mais ativo por trás do anonimato garantido pela internet.
“É muito difícil saber quantos são porque há sempre um pequeno núcleo e, à sua volta, seguidores menos ativos. Nos últimos 20 anos o movimento se fragmentou e se reformulou, as células mudaram de nome várias vezes e o aumento recente na imigração deu fôlego novo à causa, mas nada disso é novidade”, explica Stéphane Leman-Langlois, professor de Sociologia da Universidade de Laval que estuda a extrema-direita de Quebec.
La Meute, grupo que inclui vários veteranos da guerra do Afeganistão, já reúne 43 mil seguidores desde que criou uma página fechada no Facebook, em 2016. O nome significa “alcateia” em francês e seus integrantes não são politicamente virulentos pelos padrões dos EUA, mas se concentram em temas como a imigração muçulmana.
Classificar essas associações de “extrema-direita”, entretanto, pode ser errado: a Fédération des Québécois de Souche, por exemplo, afirma que entre seus afiliados há gente de várias visões políticas, incluindo socialistas e libertários. O denominador comum parece ser a oposição à imigração, principalmente de muçulmanos.
“Nosso objetivo não é encolher uma minoria; grupos como o nosso ajudaram a instaurar um debate sobre a imigração e o multiculturalismo que seria impensável há dez anos, quando da nossa fundação. Queremos garantir liberdade para as pessoas falarem o que pensam sem a restrição da correção política”, afirma Rémi Tremblay, porta-voz da Fédération des Québécois de Souche.
Tanto a Fédération des Québécois de Souche como a Atalante Quebec, em nota conjunta, condenaram o atentado, classificando o atirador de “demente”.e
Sem dúvida, o tom [ao discutir questões de imigração] deve ser mais respeitoso de ambos os lados. É preciso ter cuidado, porém, para não deixar que a correção política leve a melhor sobre as discussões cruciais, francas e básicas sobre o radicalismo do Islã e os valores islâmicos em nossas democracias.
Dominic Maurais, locutor na Radio X e um dos líderes do conservadorismo em Quebec. Ele faz questão de dizer que é pró-imigração.
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