O presidente egípcio, Hosni Mubarak, provocou raiva nas ruas do Egito nesta quinta-feira (10), ao fazer um pronunciamento em que anunciou que irá transferir alguns poderes ao seu vice, mas que não irá renunciar imediatamente ao cargo.
"Fora! Fora!", gritavam milhares de pessoas reunidas na praça Tahrir, no Cairo, epicentro das manifestações das últimas duas semanas contra Mubarak, no poder há 30 anos.
Mas o ex-general de 82 anos não cedeu aos manifestantes, e durante o pronunciamento preferiu se apresentar como um patriota com a obrigação de promover uma transição ordeira até as eleições de setembro, quando deve deixar a Presidência.
Ele elogiou os jovens que deixaram o mundo árabe perplexo com suas inéditas manifestações e ofereceu mudanças constitucionais que deem mais influência a seu recém-nomeado vice Omar Suleiman.
Agitando seus sapatos acima da cabeça, num clássico gesto árabe de desprezo, a multidão no centro do Cairo mantinha o grito: "Abaixo, abaixo Hosni Mubarak".
Em seu discurso de 20 minutos transmitido pela TV, Mubarak disse que não cederá à pressão internacional - um recado para Washington, que tem cobrado uma saída rápida do seu antigo aliado -, e afirmou que irá "delegar ao vice-presidente da república as prerrogativas do presidente da república, pela maneira fixada na Constituição".
Suleiman, de 74 anos, ex-chefe dos serviços de inteligência, não é muito popular entre os manifestantes, que reivindicam um rompimento completo com o sistema de domínio militar que há seis décadas vigora no país, o mais populoso do mundo árabe.
Após o discurso de Mubarak, Suleiman apareceu na TV estatal dizendo que já há um "mapa" para a transferência de poderes, e garantiu que irá comandar uma "transição de poder pacífica".
Depois de ter prometido na semana passada que não irá disputar um novo mandato em setembro, Mubarak disse, dirigindo-se aos manifestantes: "Senti toda a dor que vocês sentiram (...). Não vou recuar na minha reação à sua voz e ao seu apelo. Suas exigências são legítimas e justas (...). Não há vergonha em escutar suas vozes e opiniões, mas recuso todo e qualquer ditame do exterior."
"Anunciei meu compromisso de entregar pacificamente o poder depois das próximas eleições", acrescentou. "Vou entregar o Egito e seu povo em segurança."
Comunicado militar
Após o discurso da semana passada, muitos egípcios que não pertencem às elites urbanas, as quais representam a vanguarda dos recentes protestos, se disseram satisfeitos com a promessa de mudança, e afirmaram que o mais importante agora seria o fim dos transtornos econômicos provocados pelos protestos.
Mas a raiva nas ruas do Cairo e de Alexandria, a poucas horas das grandes manifestações de sexta-feira - batizadas de "Dia dos Mártires", em homenagem aos pelo menos 300 mortos nos protestos desde 25 de janeiro -, turvava um ambiente onde há forte presença militar.
"Ele (Mubarak) não parece entender a magnitude do que está acontecendo no Egito. A esta altura não acho que (o novo discurso) seja suficiente", disse Alanoud al Sharek, do Instituto Internacional de Estudos Estratégicos. "Ele transferiu a autoridade para Omar Suleiman, mas de alguma forma reteve sua posição como governante."
Mohamed El-Erian, diretor de investimentos da Pacific Investment Management Co., disse: "Diante da intensa frustração com o discurso no Egito, o país entrou nesta noite num período nefasto de extrema tensão e perigo, que só poderá ser resolvido por meio de uma mudança crível de regime que possa ser aceita pela maioria dos egípcios".
Durante o dia, a cúpula militar divulgou o que chamou de "Comunicado No 1", dizendo estar assumindo o controle da nação. Muitos equipararam isso a um golpe militar. Instalou-se então o rumor de que Mubarak poderia renunciar ou ser deposto. Na praça Tahrir, muita gente reagiu com emoção a essa perspectiva, mas alguns já começavam a se mobilizar contra a possibilidade de um regime militar.