São Paulo Giovanni Sartori, cientista político italiano de 81 anos, tem um extenso currículo com passagens por várias das mais graduadas universidades americanas. Foi professor em Stanford, Yale, Harvard e Columbia e até hoje tem um apartamento em Nova Iorque. Autor traduzido em mais de 30 idiomas, é uma referência mundial na área da ciência política. Com um inglês impecável e sempre de bom humor, Sartori falou por telefone de sua casa em Roma sobre os desafios da Itália no século 21 e a disputa entre Silvio Berlusconi, o candidato da centro-direita, e Romano Prodi, da centro-esquerda, nas eleições de hoje e amanhã.
Agência Estado A economia italiana parece mais vulnerável à ameaça de países como China e Índia do que outras nações européias. A deterioração da competição internacional da Itália é uma ameaça à estabilidade política do país?Giovani Sartori Considerando os resultados de tudo isso, certamente. Nenhuma economia ocidental comportará um índice de desemprego equivalente a 30%. No longo prazo, o fato de um país oferecer a mesma capacidade tecnológica com um custo de mão-de-obra dez, 20 ou até 30 vezes menor dá um resultado só: os investidores optarão pelo lugar mais barato. Como conseqüência, teremos o aumento do desemprego nas regiões mais industrializadas e ricas. Este problema é mais notável na Itália do que em outros países europeus por causa de sua formação industrial. Não somos especializados como a Alemanha, que constrói maquinário de alta tecnologia para exportação.
E a Itália poderá ser poupada do inferno?Essa pergunta deveria ser feita a Dante (risos). A Itália tem muitas fábricas de sapatos e roupas. Mas o seu custo de fabricação é 10 ou até 20 vezes maior do que os fabricados na China. Tem muitas fábricas têxteis. É verdade que a Itália é muito frágil. Mais do que outros países europeus.
Neste contexto, quem seria a pessoa mais indicada para governar o país: Silvio Berlusconi ou Romano Prodi?Nenhum dos dois.
Por quê?Berlusconi está interessado em administrar os seus bens. O país é uma entidade abstrata para ele. De acordo com seus conceitos, o que é bom para ele é o melhor para o país. A sua estratégia é muito simples. O ministro da Fazenda italiano gostaria que a Europa usasse tarifas alfandegárias (para se proteger dos produtos asiáticos). E, provavelmente, a longo prazo, talvez essa seja a alternativa. Vai depender da amplitude das perdas trabalhistas. Não vejo Prodi focado neste problema. A sua maior preocupação é sustentar a sua coalizão multicolorida. Ele não observou a questão com precisão. E sua maior preocupação é vencer as eleições. Por isso, sobre essa questão, manteve-se calado. No entanto, por trás de seu silêncio, há pessoas se questionando se deveriam perguntar a ele ou a Dante.
A centro-esquerda argumenta que o modelo escandinavo - a combinação de inovação, competitividade e o sistema de bem-estar social seria uma boa alternativa para a Itália. O que o senhor acha?Inovação e competição são palavras mágicas. Agora fazer uma afirmação é diferente de concretizá-la. Ninguém é contra os resultados desse modelo. Se você é capaz de produzi-lo é uma outra questão. O modelo escandinavo teria problemas porque seu foco é no social. E quem pagará pelo social? Nesta economia globalizada, produtores não podem aumentar o custo de seus produtos se eles são vendidos mundialmente.
Considerando que a situação na Itália é pior do que em outras partes da Europa, o senhor acredita que uma resposta para esses problemas virá da Itália?Temos uma União Européia. Tomemos o problema com a China, este é mais difícil de resolver. O custo da mão-de-obra chinesa é muito barato. A China tem uma reserva de vários milhões de camponeses que aceitam trabalhar por um preço baixo. Será que cada país, individualmente, poderá resolver o "problema China"? Deve haver uma política européia para apurar o que precisará ser feito. Isso é muito simples. Sem trabalho, temos altos índices de desemprego e um rombo no orçamento. E na Europa, temos que manter as pessoas vivas. Se fosse na África, seria diferente. Por isso, é um círculo vicioso que nunca tivemos antes. O laissez-faire começou com a escola de Manchester. A Inglaterra era capaz de invadir o resto do mundo e o resto do mundo não conseguia invadir a Inglaterra. Agora, a direção mudou e o resto do mundo invade a Itália e o resto da Europa. Numa pequena escala, podemos nos adaptar, buscar mais eficiência e inovação. Nesta escala, de uma economia globalizada, os remédios dogmáticos da economia tradicional, que afirmam que tudo é combatido pela competição não conseguem mais se manter de pé. A competição ajudou o Ocidente quando possuía uma vantagem maior. Hoje temos um problema novo.
E o protecionismo é a resposta?Se você achar uma melhor, me diga. Os Estados Unidos, quando ameaçados, sempre usaram impostos de importação para se proteger. Na Europa, todas as economias desenvolvidas cresceram com o protecionismo. A história ainda não produziu uma nova cura. Agora, se é possível ter sucesso no futuro contra esta ameaça (asiática), que não tem antecedentes, não sei. Mas é claro que os economistas devem acordar e não usar fórmulas fora de contexto, como eles têm feito.
Berlusconi chama os promotores e juízes de vermelhos, de pessoas ideologicamente motivadas. É a Justiça que é de esquerda ou é Berlusconi que tem muitos problemas com a Justiça?As duas coisas. Mas o Berlusconi é mais envolvido com ações ilegais do que os magistrados e juízes são vermelhos. Certamente tivemos uma politização mais forte na ordem judicial italiana. O que não quer dizer que eles sejam 100% vermelhos. Admito a existência de uma visão tendenciosa. Mas no caso de Berlusconi, qualquer sistema judiciário o teria processado. Ele violou todas as leis possíveis de um comportamento político e econômico correto.
O governo Berlusconi é o mais longo desde o final da Segunda Guerra Mundial. Se ele saísse hoje, quais teriam sido suas maiores conquistas?O governo dele é o mais duradouro porque mudanças ocorreram no sistema eleitoral. Ele foi o único a vencer as eleições de 2001 com uma maioria colossal. Tem estado totalmente no controle do Parlamento. Foi incrivelmente eficiente em criar leis para o proteger a si mesmo, seus negócios, para defender seu bem-estar. No mais, ele tem sido indiferente. Está realmente empenhado em defender-se e fazer o seu marketing pessoal. Não temos nenhuma lei decente no controle da mídia. Todas as leis foram para proteger os bens de Berlusconi e (aplacar os resultados de suas) infrações. Há cerca de 15 anos atrás, estava cheio de dívidas. Agora ele é a pessoa mais rica do país. Se você pagar todos os impostos, essa ascensão é impossível. Berlusconi não paga seus imposto, é tudo off-shore. Me diga o nome de uma pessoa que enriqueceu pagando todos seus impostos.
Bill Gates?Sim, mas há uma explicação. Bill Gates vende um produto fenomenal. Já Berlusconi construiu parte de Milão com um dinheiro que ninguém sabe de onde veio. Tudo isso é misterioso. Por que ele está sendo indiciado? Porque tem 50 ou 100 empresas no exterior. Alguns americanos, como Bill Gates, enriqueceram porque inventaram algo. Berlusconi não inventou nada.
Bolsonaro e mais 36 indiciados por suposto golpe de Estado: quais são os próximos passos do caso
Bolsonaro e aliados criticam indiciamento pela PF; esquerda pede punição por “ataques à democracia”
A gestão pública, um pouco menos engessada
Projeto petista para criminalizar “fake news” é similar à Lei de Imprensa da ditadura