Avó de um dos estudantes cujo corpo foi identificado| Foto: Adriana Zehbrauskas/The New York Times

Um ex-comerciante de gado lida com dois celulares para arregimentar uma multidão de voluntários armados que substituíram a força policial mínima de várias cidadezinhas.

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Um provável candidato a prefeito pretende fazer campanha quase que exclusivamente de casa porque teme por sua vida.

Manifestantes em Chilpancingo. Brigida Chora Lopez 
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Manifestantes sacodem os portões de bases militares e expulsaram os prefeitos de pelo menos metade dos gabinetes do estado.

Com o início da temporada eleitoral em Guerrero, o que era, na melhor das hipóteses, um resquício mínimo de ordem no estado mais violento do país, já se desintegra rapidamente.

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Depois do desaparecimento de 43 estudantes de uma escola rural, em setembro passado – que, ao que tudo indica, foram vítimas de uma aliança entre narcotraficantes, políticos e a polícia municipal – grupos ativistas juraram interromper as eleições de junho em nome dos jovens.

“O movimento de não-eleição pode ganhar força, pois é visto como a única maneira de punir os políticos”, afirma Juan Angulo Osorio, editor do jornal de Guerrero, El Sur. Ao mesmo tempo, a frustração com a incapacidade das autoridades de controlar os grupos do crime organizado, que fazem o tráfico de heroína e geram terror através de sequestros e extorsão, está levando um número cada vez maior de comunidades a gerenciar sua própria segurança.

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O que fomenta a revolta é a evidência de que nem Guerrero, nem o governo federal agiram, apesar dos repetidos sinais da ligação entre um cartel local e o prefeito da cidade de Iguala, onde policiais mataram a tiros vários estudantes antes que dezenas deles desaparecessem.

“O caso detonou a crise das instituições”, admite Rogelio Ortega, governador interino do estado.

“A questão do crime organizado e sua penetração nas instituições não é só um fenômeno recorrente em Iguala; é muito mais amplo, vai muito além, não só em Guerrero, mas no país”, prossegue.

O governo federal até tentou fazer com que o caso dos estudantes fosse esquecido. O Procurador-Geral Jesús Murillo Karam disse que as confissões e evidências físicas confirmaram que os jovens tinham sido detidos pelos policiais de Iguala, sob ordens do prefeito, José Luis Abarca, e entregues a membros do cartel Guerreros Unidos, que os matou e queimou seus corpos.

No mesmo dia em que as autoridades declararam que os estudantes estavam mortos, o presidente Enrique Peña Nieto disse que o México “tinha que seguir adiante com mais otimismo”.

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Só que pouca gente por aqui acredita que Guerrero vá seguir adiante. “A desgraça de Guerrero é que há muitos Abarcas ali”, disse Ortega, o professor universitário nomeado depois que o governador anterior renunciou em outubro, desacreditado por sua ligação com Abarca.

No meio do tumulto estão as famílias dos jovens, todos homens, que aguardam no campus paupérrimo da escola, no vilarejo de Ayotzinapa, a vinte minutos de carro da capital do estado. As mães passam o tempo sentadas à sombra, bordando, como se a simples tenacidade e determinação pudessem trazer seus filhos de volta.

“O governo está tentando impedir as famílias de se mobilizarem; querem que a gente se resigne. Não. Até que todos sejam identificados, queremos que os meninos sejam considerados vivos”, desabafa Melitón Ortega, pai de Mauricio Ortega, aluno desaparecido de 17 anos.

Até agora a perícia identificou apenas um deles: Alexander Mora Venancio, de 19 anos, graças aos fragmentos de ossos encontrados no local onde o governo disse que a chacina ocorreu.

Entre os familiares e seus simpatizantes, a convicção é a de que os rapazes estão sendo mantidos pelo Exército, embora não haja provas. Em meados de janeiro, uma multidão, liderada pelos pais dos alunos, se reuniu na base militar de Iguala, exigindo o direito de entrar. O confronto foi evitado e o governo se ofereceu para agendar uma visita.

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Abel Barrera, fundador do Tlachinollan, grupo de defesa dos direitos humanos que representa as famílias, disse que os protestos eram a expressão da revolta pela impotência diante do crime organizado e seus aliados políticos. “Não há planos de unificação; por enquanto, o momento é de reação e autodefesa”.

Os estudantes de Ayotzinapa e outras localidades também participam das demonstrações. O sindicato dos professores estaduais já demonstrou solidariedade – e alguns de seus integrantes chegaram a incendiar prédios e carros públicos, expulsaram os prefeitos de metade das cidadezinhas do estado e volta e meia bloqueiam a rodovia que liga a Cidade do México a Acapulco.

“Há uma crise de credibilidade. É aquela coisa, ‘o que quer que você diga, eu não acredito’ e isso só faz piorar o conflito”, explica Ortega, o governador interino. Ele vem tentando acabar com o levante, negociando com os manifestantes para que parem de fechar as pistas, mas, com a aproximação das eleições, já prometeu aplicar a lei para proteger a votação. A polícia federal já começou a retirar os ativistas das rodovias e o policiamento foi reforçado na sede do conselho eleitoral nacional. Nas áreas rurais, muita gente perdeu a fé nas autoridades.

Dois anos atrás, as forças comunitárias, que surgiram nas tribos indígenas, nos anos 90, começaram a se multiplicar. Armados, os voluntários conseguiram manter as gangues afastadas das pequenas cidades e ganharam a lealdade dos moradores que desconfiam da polícia e do Exército.

Novas milícias continuam a se formar desde o desaparecimento dos estudantes, em grupos que se unem para formar uma ou várias alianças rivais.

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Ernesto Gallardo, comandante da polícia comunitária, explica que a intenção do grupo não é a de suplantar o governo, mas todos os sinais indicam autoridade.

Em picapes, os voluntários fazem rondas pela cidade para ouvir as queixas dos moradores, além de organizar postos de verificação nas ruas e montar guarda na saída da escola.

Gallardo finaliza: “Quando o governo não faz seu trabalho, nós assumimos sua parte”.